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1. Lolita - Textos publicados na Folha

Nabokov e Philip Roth enfrentam a dor

(publicado em 31/05/1997)

ADRIANO SCHWARTZ
Editor-adjunto do Mais!

Uma espécie muito curiosa de jogo de respostas e inversões pode ser traçada a partir do confronto entre "Pnin" e "O Teatro de Sabbath" --dois livros escritos com quase 30 anos de distância que acabam de ser lançados no Brasil.

É difícil, quando se buscam os principais autores e textos (re)trabalhados pelo norte-americano Philip Roth em "O Teatro de Sabbath", não pensar em Vladimir Nabokov. É de "Lolita" e das transgressões que impôs, porém, que se costuma lembrar.

No entanto, "Pnin", escrito pelo russo-americano logo depois da saga de Humbert Humbert, traz curiosas relações com a história de Mickey Sabbath, de Roth.

Em "Pnin", um narrador muito nabokovianamente peculiar (para não antecipar surpresas...) nos conta muitos momentos "engraçados" --sempre para os outros, é bom frisar_ da vida do professor Timofey Pnin, um russo que, com seu problemático inglês, dá aulas de sua literatura natal em uma faculdade dos EUA.

O narrador cunha, inclusive, o adjetivo "pniniano" para qualificar as atitudes do protagonista em um ambiente que nada tem a ver com o seu e no qual é permanentemente ridicularizado.

Antes mesmo de chegar aos EUA, contudo, as coisas não eram fáceis para Pnin. Precisara sair de seu país, perdera um amor de infância durante a Segunda Guerra, casara-se com uma mulher que nada queria com ele.

Em determinado momento, Pnin questiona um colega: "Por que não deixar que cada um guarde seu sofrimento privado? Não será o sofrimento, cabe perguntar, a única coisa no mundo que as pessoas de fato possuem?".

A resposta, que reitera a questão em outro tom, pode vir do fantasma da mãe de Mickey Sabbath, ao ver o filho chorando: "Isto é a vida humana. Há uma grande dor que todo mundo tem que padecer".

Como os romances estão escritos na chave da ironia, entende-se por que o comentário da mãe gera o seguinte pensamento em Sabbath: "Enganei até um fantasma". É a dor o grande tema destas duas comédias.

Mas, como lembra Pnin (cujo nome, aliás, faz referência explícita a palavra "pain", dor em inglês), "a história do homem é a história da dor".

Os vazios de Sabbath

Ao longo de "O Teatro de Sabbath", o leitor é apresentado aos vários frustrados relacionamentos (sexuais, familiares... com amigos, com fantasmas, com amantes) do protagonista.

Dentre tantos personagens que vertiginosamente aparecem, somem e ressurgem na obra, destaca-se Drenka, amante croata de 52 anos com quem um já velho Mickey mantém um duradouro caso.

É dela a primeira frase do livro, um ultimato: "Ou você abre mão de trepar com as outras ou o nosso caso está encerrado".

O problema de Sabbath, contudo, não era manter-se fiel --sem que ela soubesse, ele já o era--, e sim permitir que Drenka fosse.

A já não tão ativa virilidade de Sabbath alimentava-se das loucas aventuras sexuais de Drenka com os mais variados tipos de homens, da consciência de que aquela que tantos desejavam ainda o queria acima de todos.

Poucos meses após o ultimato --ainda no intensíssimo primeiro capítulo do livro--, entretanto, um câncer mata Drenka.

Esta dor, este grande vazio criado em sua velhice, ecoa em toda a narrativa, em grandes vazios anteriores e nem tão grandes vazios futuros. Vazios que o ex-artista de marionetes das ruas de Nova York nunca pôde (ou quis) preencher.

Há o vazio de um casamento sem sentido, o vazio da morte precoce do irmão e até o vazio de um "assédio sexual", a gravação de uma conversa telefônica com uma aluna --transcrita por Roth em uma longa nota de rodapé que se estende por 22 páginas.

"Pnin" e "O Teatro de Sabbath" são, ambos, entre tantas outras coisas, estudos sobre a dor.

A diferença é que, em "Pnin", somos levados a rir dela e, apesar de ser tarde, temos a chance de nos "arrepender" no último instante. Já na obra de Philip Roth, é a dor, com frequência cada vez maior, que ri de nós. E não há nada que possamos fazer.

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