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2. O Nome da Rosa - Textos publicados na Folha

Eco nega o "fim do livro"

(publicado em 31/10/1998)

MAURÍCIO SANTANA DIAS
de Buenos Aires

Na quinta-feira passada a cidade de Buenos Aires foi de Umberto Eco. O autor de "A Obra Aberta" e "O Nome da Rosa" veio à Argentina inaugurar a sede portenha da universidade de Bolonha, onde leciona.

Pela manhã, numa entrevista coletiva apinhada de jornalistas, Umberto Eco foi como sempre irônico e espirituoso, mas preferiu deixar que o reitor da universidade fizesse as honras da casa.

Pinochet

Indagado sobre a atual situação dos direitos humanos e a detenção do general Pinochet, o professor de Bolonha respondeu que este era "um caso complicado".

"Há as pessoas comuns, que dizem: 'Que beleza, prenderam Pinochet!'. Depois, constatamos com tristeza que muitos, na verdade, gostam do general. Há ainda aqueles que alegam a sua idade avançada, e acham melhor que ele volte. De qualquer modo, foi importante que o juiz espanhol tivesse lembrado os crimes cometidos por Pinochet, o que, se não chega a fortalecer a justiça, fortalece a moral", concluiu Eco.

Sua declaração foi reprisada durante todo o dia pelas televisões locais.

Encontros literários

À noite foi a vez da aula magna, proferida num teatro Coliseu lotado.

Poucos minutos antes da hora prevista para o início, uma salva de palmas ecoou no teatro. Todos pensaram que Umberto Eco tivesse chegado, mas na verdade as palmas se dirigiam para o escritor argentino Ernesto Sábato, que se sentou na primeira fila.

Logo depois chegou Eco, também muito aplaudido, que foi logo cumprimentar o seu colega argentino e a viúva de Jorge Luís Borges, Maria Kodama.

Como costuma acontecer na Argentina, todo evento, qualquer que seja, termina se tornando também um evento político.

Quando anunciaram que a cerimônia se atrasaria porque o vice-presidente, Carlos Ruckauf, ainda estava a caminho, as vaias não se fizeram esperar.

Depois de quase meia hora de expectativa, falaram o cônsul e o reitor italiano, seguidos pelo prefeito de Buenos Aires e candidato à presidência em 1999, Fernando de la Rúa --que foi aplaudido.

Como nesse tipo de cerimônia as gafes também são muito comuns, De la Rúa apresentou com orgulho "o eminente professor, Prêmio Nobel...", ao que foi secundado por Ruckauf, "temos a honra de receber o Prêmio Nobel...". Ora, Eco nunca recebeu o Nobel.

"O fim do livro"

Finalmente Eco subiu ao palco. Mexendo-se muito, misturando frases em inglês com referências latinas, francesas e borgianas ("Pierre Menard", "Funes, o Memorioso"), Eco explicou com clareza e exemplos cômicos o que pensa sobre o tal "fim do livro".

Para ele, os "livros de leitura", aqueles que pegamos e lemos do início ao fim, vão permanecer para sempre, porque "ainda não inventaram nada melhor". Já os "livros de consulta" serão substituídos pelos hipertextos, mais eficientes, econômicos e --fundamental-- menos espaçosos.

Então, "longa vida ao livro no próximo milênio", disse entusiasmado Umberto Eco no encerramento da aula.

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