Folha Online
Biblioteca Folha
7. O Caso Morel - Textos publicados na Folha

Escritor deu apoio a socialistas em 1950

(publicado em 25/06/1995)

Do enviado especial ao Rio

Rubem Fonseca virou policial pelo mesmo motivo que o comissário Mattos cita em "Agosto":

"No meu caso, fora simplesmente a incapacidade de arranjar um emprego melhor. Depois de três anos advogando para criminosos pobres, sem ganhar dinheiro para pagar o aluguel do escritório, sem dinheiro para casar, surgira aquela oportunidade de trabalhar vinte e quatro horas e ter setenta e duas horas de folga".

Foi isso, o fracasso no escritório de advocacia, que levou Fonseca a prestar o concurso para comissário de polícia em 1950.

O fiasco como advogado não é a única novidade na biografia de Fonseca. Em 1950, ele era esquerdista, segundo seu sócio no escritório de advocacia Luiz Weksler.

Ambos apoiaram a candidatura de João Mangabeira (1880-1964), do Partido Socialista Brasileiro, à Presidência da República.

"Eu e Zé Rubem chegamos a militar de forma discreta no Partido Socialista. Cabalamos votos para João Mangabeira e Homero Pires, um professor nosso muito querido. Íamos conversar na sede do partido, no edifício Embaixatriz Régis de Oliveira, esquina da Rio Branco com Nilo Peçanha."

A militância foi inútil. Getúlio Vargas (PTB) venceu a eleição com 3.849.040 votos. Mangabeira conseguiu só 9.466.

Fonseca também frequentava um célebre reduto esquerdista, o Café Vermelhinho, no centro do Rio, por onde passavam artistas, intelectuais e boêmios nos anos 40 e 50. "O Zé Rubem era de esquerda porque todo universitário era de esquerda", acha Weksler.

Duas décadas depois, o escritor seria acusado de colaboracionismo com o movimento militar de 1964 por integrar o Ipes (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), entidade liderada pelo general Golbery do Couto e Silva que articulou a conspiração contra o presidente João Goulart.

À época em que Fonseca prestou o concurso para comissário, o Rio ainda era a capital da República. Não era a polícia estadual que cuidava da segurança da cidade. Era o Departamento Federal de Segurança Pública, órgão com funções similares às da Polícia Federal hoje.

Depois dos horrores do Estado Novo (1937-1945), a polícia passava por uma onda modernizadora. Fonseca foi aprovado no primeiro curso de comissário, uma tentativa de treinar tiras com métodos mais científicos.

Entrou em sexto lugar, com média 82, segundo registro à página 72 de um livro da Escola da Polícia, atual Academia de Polícia do Rio. Foi escrito a 18 de abril de 1951. Mário César da Silva, que já era colega de Fonseca à época da faculdade, passou em primeiro lugar, com nota 87,5.

"O vestibular para a Escola de Polícia foi o mais difícil que fiz na vida. Fiz concurso para advogado, para juiz e para promotor, mas nenhum se compara ao da polícia. Uma das minhas provas durou oito horas, das 20h às 4h da manhã", diz Alfredo José Marinho Filho, 67, colega de classe de Fonseca e hoje desembargador no Rio.

A polícia, em 1951, já era acusada de violenta e corrupta como a de hoje, mas o curso de comissário reunia uma elite.

Ivan Vasques, colega de Fonseca no curso, era filho de um banqueiro, dono da casa bancária A Compensadora. O pai de Mário César era professor de história e de alemão em Blumenau (SC).

A família de Fonseca não ficava atrás. "O pai dele era um comerciante bom. Vendia uniformes e bandeiras para as Forças Armadas", diz Ivan Vasques, 71.

Aquela história de que Fonseca foi camelô, vendida pelo próprio escritor a jornalistas, é lenda, segundo Vasques. Nem foi delegado.

Fonseca foi um aluno brilhante na Escola de Polícia, segundo Jorge Luiz Pastor, seu professor na disciplina Organização e Funcionamento da Polícia.

Tanto que, após dois anos de aulas noturnas, ficou em segundo lugar ao fim do curso, com média 84,09. De novo estava atrás de Mário César, o primeiro da turma.

Fonseca não mostrava à época pendores literários. Mário César é que era o geniozinho.

"Nunca imaginei que o Zé Rubem fosse virar escritor. Levei um susto quando saiu o primeiro livro dele. O Mário César sempre foi, talvez mais do que o Zé Rubem, um grande literato. Lia Proust em francês na Escola de Polícia", relata Pastor.

Até parece uma história fonsequiana. O proustiano da turma, que tocava violino na infância em Blumenau, transformou-se em bamba da polícia. Por duas vezes, foi diretor-geral da Polícia Civil do Rio nos anos 70.(MCC)

Livro da semana

Livro anterior

"Sargento Getúlio"
Lançado: 21/12


Copyright Folha Online. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página
em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folha Online.