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9. Rumo ao Farol - Textos publicados na Folha

Diários trazem a jovem Woolf

(publicado em 07/11/1993)

CLAIRE DEVARRIEUX
Do "Libération"

25 de janeiro de 1897. Adeline Virginia Stephen fará 15 anos e já faz uma semana que começou seu "querido diário". Uma linda capa, uma página para cada dia do ano. "Quanto tempo ainda lhe restará de vida?" Uma primeira tentativa abortou em 1896. Daquela vez foram três que começaram a anotar os "acontecimentos", isto é, o tudo e o nada do cotidiano de uma família numerosa da respeitável sociedade londrina. Virginia, dita a "nervosinha", está intimamente persuadida de que ela vai manter o diário por mais tempo que sua irmã Vanessa e seu irmão Adrian. E de fato o manteve por toda sua vida, com raras interrupções, até afogar-se num momento de desespero, aos 60 anos de idade. O livro de juventude de Virginia Woolf acaba de ser lançado na França com o nome "Diário de Uma Adolescente, 1897-1909" (ed. Stock, 250 francos).

Dirão que ela começou seu diário em 1914, ou seja, dois anos depois de seu casamento com Leonard Woolf, mas já havia esse prelúdio, esse "Diário". Ele foi publicado pela primeira vez em 1990 por sua sobrinha Angelica Garnett e seu sobrinho Quentin Bell que, na biografia que escreveu de sua tia, o utiliza para inúmeras citações. Traduzido para o francês ao mesmo que uma extensa seleção de suas "Cartas" (a maioria inéditas), ele cobre um período que Virginia Woolf nunca cessou de explorar e que está sempre presente na maioria de seus livros.

"Eu recuo diante dos anos 1987-1904, os sete anos infelizes", escreve Woolf em 1939, numa época em que a autobiografia é seu gênero literário preferido. "Poucas vidas foram tão torturadas, corroídas e sufocadas pela presença constante da idéia do não-ser quanto as nossas. Foi a consequência imediata desses dois erros inúteis, desse vaivém de um fluxo indiferente, inconsciente, que sem razão, brutalmente, matou por acaso as duas pessoas que teriam tornado esses anos normais e naturais, ou até mesmo felizes".

Sua mãe morreu em 5 de maio de 1895, e ela teve sua primeira depressão. Em abril de 1897, Stella, sua meia-irmã, que havia tomado as rédeas da casa, casa-se, e três meses depois morre de uma peritonite. A tristeza provocada pela doença, as melhoras, as recaídas, tudo isso é anotado por Virginia, e ela se consola com a "História da Inglaterra" de Macauley, sua "única fonte de calma e ausência de angústia". Nenhuma alusão à morte de sua mãe e, de maneira geral, à morte de seus familiares (seu irmão Toby, em 1906, ou seu sobrinho Julian, em 1937) a fará cair no mutismo.

Com a morte de Stella, o diário se torna pálido, sem vigor, e será preciso ler nas entrelinhas para compreender que sua adolescência fora devastada. Quentin Bell notará, por exemplo, a quantidade incrível de acidentes que ela relata ter assistido na rua. Mas a vida é retomada. As crianças -inicialmente Stephen, depois Virginia- estão decididas a não se deixar abater. Onde estão os meio-irmãos "incestuosos", relembrados com raiva e desgosto nas "Cartas"? George, que a humilhava e a cobria de beijos, e Gerald, que quando Virginia tinha seis anos a colocou no parapeito de uma janela para acariciá-la, lembrança de estupro que narra a Ethel Smyth em janeiro de 1914?

Procura-se em vão qualquer linha sobre eles. Jamais Virginia Woolf confiará a seu diário aquilo que lhe dá vergonha. Na caneta daquela que ainda é miss Stephen em 1897, os Duckworths são os irmãos mais velhos, invejados, e nada mais que isso. Filhos do primeiro casamento da mãe de Virginia, eles são muito mais velhos. Têm empregos, são bonitos, ricos e mundanos, estão ali para dar presentes e para apagar a luz quando a irmãzinha fica lendo na cama até tarde demais. Da mesma maneira, o pai é poupado, ele cuja presença sabemos ter sido pesada e cujos acessos de raiva e desespero envenenavam uma existência já bastante onerada.

Quando Vita Sackville-West, um dos raros amores de sua vida, a acusa de ser reprimida, Virginia Woolf responderá: "Pense um pouco na maneira como fui criada! Nada de escola; o tempo todo perambulando entre os livros de meu pai; jamais a menor oportunidade de aproveitar tudo que uma escola pode oferecer: jogar bola, bagunça, gíria, vulgaridade, cenas, ciúmes. Eu conheci apenas as brigas que tive com meus meio-irmãos e os passeios intermináveis que fazia com meu pai no lago de Hyde Park, dos quais eu voltava com as pernas bambas, de tão cansada. É uma desculpa que vale por outra: sempre tive consciência dessa amável falta de vulgaridade, mas será que Proust fez melhor que isso?" (carta de 16 de março de 1926).

O "Diário de uma Adolescente" é semelhante a muitos outros no seu pudor extremo e nos signos cabalísticos de uso exclusivo que enfeitam o rodapé de algumas páginas. Pela manhã Virginia estuda latim, grego, história. Antes do almoço faz um passeio, depois dedica toda a tarde às compras em Londres, a passar de um ônibus a outro, a comer doces em Piccadilly Circus, voltando para casa para o chá e mergulhando em seus livros ou retomando sua grande obra. Nada de triste, nada tampouco de muito marcante, nesses dias sempre parecidos, nos quais, se pensarmos bem, serão calcados todos os outros dias da vida da escritora mais tarde.

Virginia Stephen, pouco depois Woolf, mostra na sua aprendizagem uma energia tenaz e uma insuperável vontade de viver. Talvez seja esse enorme desejo de viver que a coloque em perigo, e será esse excesso que ela irá canalizar a seu diário de adulta.

Onde encomendar: na Livraria Francesa (r. Barão de Itapetininga, 275, fundos, tel. 011- 231-4555, zona central de São Paulo)

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