1. Lolita - Textos publicados na Folha
Camus e Nabokov foram goleiros
(publicado em 12/06/1994)
JOSÉ GERALDO COUTO
Da Reportagem Local
Se no "país do futebol" não há uma tradição literária voltada ao assunto, no resto do mundo não parece ser muito diferente.
Se excluirmos o romance "O Medo do Goleiro diante do Pênalti", do austríaco Peter Handke, cujo protagonista é um goleiro que comete um homicídio, não há aparentemente nenhuma obra importante ambientada prioritariamente no mundo futebolístico.
Na introdução da coletânea "The Faber Book of Soccer" (Faber and Faber, Londres, 1992, 8,99 libras), o crítico e ensaísta Ian Hamilton, organizador do volume, lamenta justamente a escassez de textos sobre o assunto, seja no campo do ensaio, seja na ficção.
O próprio livro organizado por Hamilton é uma seleta de textos garimpados nos quatro cantos da Europa.
Entre eles, em meio a muitos artigos jornalísticos de autores para nós obscuros, há preciosidades escritas por gente como George Orwell, Albert Camus, Vladimir Nabokov, Harold Pinter e Martin Amis.
A natureza dos textos é a mais variada possível. O de Orwell, por exemplo, intitulado "The Sporting Spirit", é um artigo publicado em "Tribune" em 1945, sobre uma excursão do Dinamo de Moscou à Inglaterra -a bem dizer, é mais uma reflexão política sobre as relações entre os povos naquela delicada conjuntura do imediato pós-guerra.
Já o texto de Nabokov, "The Last Defender", foi extraído de seu livro de memórias, "Speak, Memory", escrito em 1966, e fala de sua experiência como goleiro, primeiro na Rússia e depois na Inglaterra.
Outro goleiro da coletânea é Camus, que em "O que Eu Devo ao Futebol" (artigo de "France Football", 1957) fala de sua atuação no gol na Universidade de Argel e nos times argelinos de sua juventude.
De Martin Amis foi escolhido um trecho ("Match of the Day") do romance "Campos de Londres" (1989), e de Harold Pinter um trecho da peça "The Dumb Waiter" (1960).
Mas talvez o que mais interesse no livro ao leitor brasileiro aficionado pelo futebol sejam os dois artigos de jornalistas ingleses sobre a copa de 70.
Numa época em que muitos acreditavam que o supra-sumo do futebol estava na Inglaterra, aqueles dois súditos da rainha se curvavam, embasbacados, diante da seleção brasileira.
Seu entusiasmo ao falar de Pelé, Gérson, Tostão e companhia, do futebol jogado como arte e espetáculo, para além da mesquinha pragmática dos pontos perdidos, parece uma crítica antecipada e indireta ao medroso e burocrático futebolzinho da seleção de Parreira.
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