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1. Lolita - Textos publicados na Folha
Memórias de Nabokov chegam ao Brasil
(publicado em 16/07/1994)
SÉRGIO AUGUSTO
da Sucursal do Rio
Nunca, nem quando o sucesso de "Lolita" parecia não ter fim, Vladimir Nabokov fez-se tão presente nas livrarias brasileiras como a partir da próxima Bienal do Livro. Além de uma nova tradução de "Lolita", a Companhia das Letras lança as memórias do escritor, "Speak, Memory", a que se preferiu dar o título de "Pretérito Perfeito". Outra editora, a Ars Poetica, promete a fotobiografia que Ellendea Profer fez do escritor e a biografia de Nicolai Gogol escrita por Nabokov.
A novidade mais auspiciosa, sem dúvida, são as memórias. Originalmente publicadas em 1951, cobrem o período russo do escritor, que nasceu nos arredores de São Petersburgo em 1899 (a 10 de abril pelo calendário russo, a 22 de abril pelo calendário ocidental e a 23 de abril, como Shakespeare e Shirley Temple, de acordo com o seu passaporte) e desembocam em maio de 1940, às vésperas de seu voluntário exílio nos EUA.
Por que "Pretérito Perfeito" e não "Fala, Memória"? Porque julgou-se a tradução literal um tanto ou quanto vulgar, quase um samba. Nabokov decerto aprovaria a mudança, pois mesmo em inglês "Speak, Memory" soava aos seus ouvidos como algo ordinário. Preferia "Speak, Mnemosyne" (Mnemosine era a deusa grega da memória), vetado pelo editor americano, ou então "The Anthemion" (ornamento de ramalhetes de madressilva entrelaçados), que agradou menos ainda.
A versão que nos chega é a revista em 1966, com modificações básicas, copiosos acréscimos e as correções que o escritor fizera ao traduzi-las para o russo. Não foi fácil escrevê-las. Sem alguns dados fundamentais sobre seus familiares, Nabokov defrontou-se com uma "tarefa diabólica", só possível graças à sua humilhante memória. Seu ponto de partida são, naturalmente, as reminiscências mais remotas de sua vida, que datam de agosto de 1903.
Dessas e outras "doces emoções infantis" ele se recorda com inacreditável riqueza de detalhes. "Elas possuem uma forma naturalmente plástica em nossa memória", salienta. "Só a partir das lembranças de nossa adolescência que Mnemosine começa a ser seletiva e confusa."
Dulcíssimas foram as emoções infantis de Nabokov, garoto mimado de uma família de posses com ligação direta com o czar. E também com a "intelligentsia" russa: os avós do primeiro cão do menino Vladimir pertenciam a Tchecov.
Família
Militares e diplomatas eram as profissões mais comuns entre os Nabokovs. De um tio diplomata, cuja maior glória fora escapar do naufrágio do Titanic, herdou uma casa de alguns milhões de dólares que a revolução soviética confiscou. Seu pai era um político liberal que chegou a integrar o governo pré-revolucionário de Kerenski e teve de arrumar as malas depois que os bolcheviques se instalaram em Moscou.
Adorava todos eles, mas não os reconhecia como matrizes de sua sensibilidade. "Nem no meio ambiente nem na hereditariedade eu consigo encontrar o instrumento exato que me formou, a prensa anônima que estampou em minha vida uma certa marca d'água complexa cujo desenho singular se torna visível quando examino o papel almaço da vida contra a luz da lâmpada da vida."
Comunistas
Seu ódio aos comunistas -apóstolos, segundo ele, de um "deus ex machina vulgar"- tinha motivações mais, digamos, altivas que as do "emigré" russo padrão. Não lamentava o confisco de terras, propriedades e dinheiro, mas a súbita perda de duas riquezas inestimáveis e insubstituíveis: a paisagem e a infância nela animicamente conservada.
"Fui descobrir na natureza as delícias não-utilitárias que procurava na arte. Ambas eram uma forma de magia, ambas eram um jogo intricado de encantamento e ilusão." Nestas duas frases Nabokov resume sua paixão pelo verde, pelas borboletas (tornou-se um dos lepidopterologistas mais respeitados do mundo), e sua birra com a arte engajada ("Quanto mais radical um russo na política, mais conservador em arte").
Infância
Como não sentir saudades de uma infância tão rica e fagueira como a de Nabokov? Foi paparicado até os 13 anos por governantas inglesas e francesas, passando aos cuidados de doutos preceptores russos nos cinco anos seguintes. Aprendeu a ler inglês antes de soletrar em russo, estudou pintura, praticou esportes (adorava futebol e chegou a ser goleiro no time da universidade de Cambridge, na Inglaterra, onde estudou entre 1919 e 1923) e gozava as férias nos mais bucólicos recantos da Criméia. Aprendeu de tudo e só não se ligou em música, "uma sucessão arbitrária de sons mais ou menos irritantes".
Música ao vivo, nem pensar. Muito menos em cafés e restaurantes. Fazia parte de suas excentricidades detestar comer em público, ser servido por garçons apressados, conviver com boêmios, beber café e qualquer líquido com vermute. Foi assim até morrer, na Suíca, em 1977. Sem sentir saudade do que ainda estava por vir. O futuro, para ele, era imperfeito.
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