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1. Lolita - Textos publicados na Folha

Lolita já é uma senhora de 40 anos

(publicado em 25/11/1995)

ANTONIO CALLADO
colunista da Folha

E "Lolita", hem? Por onde andará? Publicado o livro em 1955, pode-se dizer que a própria ninfeta chegou à respeitável idade dos 40 anos. Por onde anda? Meio esquecida, me parece. Pensei nela porque outro dia encontraram, entre antigas ficções inéditas de Vladimir Nabokov, um pequeno conto. Ora, para muitos nabokovianos uma descoberta assim é como achar, em algum esquecido antiquário de Florença, um saleiro, digamos, da autoria de Cellini. Ou é quase isso.

O saleiro iria logo para a Galeria dos Uffizi, ou, mais provavelmente, para algum museu do Texas, enquanto que o conto de Nabokov, prontamente traduzido do russo pelo seu diligente filho Dimitri, entra logo para a obra completa do pai.

Estou fazendo esta comparação meio destemperada entre saleiro e conto porque a revista "The New Yorker" publicou outro dia "Sons", recém-descoberto conto escrito por Nabokov aí pelos tempos em que começava a guerra de 1914-1918. "Sons" já traz a marca registrada do autor. É um conto burilado, brilhante, buscando vagos estados de consciência, como tudo que ele escreveu no seu russo nativo ou no seu inglês adquirido.

Com sua característica imodéstia, Nabokov descreveu a si mesmo em "Olhe os Arlequins" como tendo passado de campeão de xadrez a campeão de tênis, de autor de obras-primas russas como "O Presente" a autor de obras-primas inglesas, como "Lolita" e "Fogo Pálido", este último nada menos que um poema em língua inglesa, fascinante e maneirista.

Alpinista, entomólogo, Nabokov, depois de enriquecido pelo êxito de "Lolita", foi morar para sempre na Suíça. Era um europeu apaixonado. Só via, na geografia mundial, o defeito de se haver colado a Rússia à Ásia.

E agora volto à pergunta: que fim levou "Lolita"? Não creio que Nabokov --homem de opiniões intransigentes, obstinadas, que achava Dostoiévski um chato e Freud um charlatão-- vá permanecer entre os escritores verdadeiramente grandes do século 20.

O pequeno conto inédito a que me referi conta a história de um jovem que se alegra porque, sem exatamente dizer sim ou não à mulher casada que pretende colocá-lo no lugar do marido, está decidido a deixar a mulher a ver navios.

Ele quer continuar livre, ouvindo os "sons" do mundo e não a voz de uma mulher só. O conto menciona, de passagem, que há luta em Sarajevo, o que marca a época em que Nabokov em breve terá que abandonar casa e fortuna na Rússia revolucionária, que ninguém odiou mais que ele próprio.

O pequeno "Sons" tem seu lado significativo, que talvez explique porque Nabokov não permanecerá entre os realmente grandes do século, como Dostoiévski, como Freud. Ele não queria mudanças, novidades. Queria ficar ouvindo para sempre os sons da Belle Époque, de um mundo fino, elegante, que ia civilizando e europeizando aos poucos o planeta inteiro. Talvez por isso não sentiu, como à época nós talvez não sentimos, como era escassa e terminal a novidade de "Lolita".

Livros "imorais" muito mais antigos, como "As Ligações Perigosas" de Choderlos de Laclos, continuam em pleno fulgor porque foram, no seu tempo, invenções de fato novas, chocantes. É curioso observar que, mesmo em termos cinematográficos, o velho Laclos tem obtido êxito muito maior do que a passagem para a tela da ninfeta de Nabokov. É que Lolita, ao ser criada, já estava muito mais perto de nós, já vivia praticamente entre nós e não nos comovia como comove até hoje a virtuosa heroína das "Ligações Perigosas", vítima do sedutor Valmont e da pérfida Merteuil.

Outros exemplos me ocorrem, de livros que já foram tabu, como "As Jóias Indiscretas", de Diderot, ou mesmo "As Mil e Uma Noites", e que guardaram para sempre o prestígio que tiveram ao nascer, o de realmente desafiarem a moral do tempo em que nasceram. "Lolita", ao ver a luz do dia 40 anos atrás, já chegava acompanhada da pílula anticoncepcional e da nossa atual sem-vergonhice bráulica.

Quando Nabokov procurou editor para "Lolita" nos Estados Unidos não encontrou nenhum. Os mais importantes recusaram o livro devido à sua imoralidade. O romance acabou publicado, em dois desnecessários volumes, pela Olympia Press, de Paris.

Um dos escritores ingleses que defenderam com empenho a publicação de "Lolita" foi Graham Greene, já famoso como romancista, mas ainda crítico cinematográfico de um jornal inglês. Greene, que se encantara com "Lolita", nada via no romance de Nabokov que justificasse a censura das grandes editoras inglesas.

No entanto, como crítico de cinema, divertia-se a valer criticando a imoralidade, o sexismo que vislumbrava nos filmes de Shirley Temple. Não pedia que censurassem os filmes, mas considerava-os "sexy", isto é, achava que os produtores da cacheada e sorridente namoradinha do mundo projetavam através de sua imagem uma espécie de broto de "vamp", de provocante mulherzinha apresentada como menininha.

Graham Greene foi criticado como se a culpa fosse dele, como se ele é que encarnasse na doce menininha sua luxúria senil. A verdade é que num ponto, pelo menos, Greene tinha razão. Lolita já estava entre nós, já existia, quando Nabokov a criou, enquanto Shirley Temple ainda tratava de penetrar sorrateira no mundo de hoje, em que a moral sexual praticamente deixou de funcionar em seus vários níveis, onde se inclui a pedofilia.

Seja como for, parabéns de aniversário a Lolita. Ainda há muita mulher quarentona que conserva certa graça da menina que foi.

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