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1. Lolita - Textos publicados na Folha

Romance tenta contar uma outra história de Lolita

(publicado em 21/10/1999)

RICHARD CORLISS
especial para a Folha

Vladimir Nabokov terminou de escrever Lolita em 1953. Beirando os 50 anos, o livro continua sendo um paraíso em matéria de linguagem e desejo não consumado, capaz de cativar, ofender e criar polêmicas. Depois que o romance foi publicado, o escritor teve de enfrentar várias acusações de obscenidade. Agora, chega às livrarias uma adaptação do livro, Lo's Diary (O diário de Lo), da tradutora e ensaísta italiana Pia Pera, lançado depois de um acordo judicial com Dimitri Nabokov, filho do escritor. Ele insistiu em escrever um prefácio para o livro e exigiu que 5% dos lucros fossem destinados ao Pen Clube Internacional.

Lo's Diary, traduzido para o inglês por Ann Goldstein, pretende ser um relato concreto do triste envolvimento entre uma menina e seu padastro _ a história "verdadeira" por trás dos delírios de Humbert, registrados num certo livro intitulado Lolita. Fica-se sabendo que Dolores ("Lolita") Maze (e não Haze) conheceu Humbert Guibert (e não Humbert Humbert) na casa de sua mãe Isabel (e não Charlotte) e que Humbert encantou-se por Lo. Ele então se casa com a mãe para ficar com a filha. Com a morte da mãe, Hum e Lo saem pela estrada afora, são perseguidos em intervalos regulares pelo verdadeiro amor da menina, o dramaturgo Gerry Sue Filthy (e não Clare Quilty), por quem ela finalmente abandona Hum.

Claro que se trata de uma obra de ficção: uma homenagem a Nabokov com segundas intenções. No livro de Pera, Lo tem um irmão mais moço, que morre em um estranho acidente (furacão e fiação exposta), e uma grande devoção pelo pai morto. Humbert é um substituto bem mais sedutor. Lo relembra cenas de inocentes brincadeiras sáficas, idas ao cinema (A Felicidade Não Se Compra, de Frank Capra, é um filme sobre "como tudo acabou bem porque, afinal de contas, o pai não morreu") e brigas com sua mãe autoritária e desesperada.

Numa época de preocupação com a inocência infantil, Pera poderia ter enfatizado a natureza corrupta do desejo carnal de um homem por uma menina adolescente. Mas, ao contrário, Lolita é quem agride, seduz e, por fim, despreza Hum. "Esse Humbert vai ser meu", escreve em seu diário. Com Lo, ele aprende o requinte do jogo sexual. E quando "Humbert-Bobo" torna-se uma "Mamãe-Humbert" queixosa, ela vai embora com Filthy _não sem antes se despedir do drogado Hum, sodomizando-o com a caneta que ele usava para escrever seu próprio diário.

Existem apenas duas razões que poderiam justificar esse livro: fofoca e estilo. Lo's Diary fracassa em ambos os casos. Seria interessante ler sobre a vida repulsiva de Lo com Filthy. Para a autora, porém, o casal nunca manteve relações sexuais, e ele não a obrigou a fazer filmes pornográficos, como Humbert acreditava. O grande problema é o tom da narrativa. Em Lolita, Humbert é um europeu culto, que poderia usar uma linguagem tão sofisticada quanto qualquer poeta ou escritor diletante. Ao começar a escrever seu diário, Lo tem 11 anos, e sua capacidade narrativa e domínio de vocabulário devem ser limitados.

Mas o estilo usado no romance, embora comum, é muito precoce e consistente _até mesmo para uma criança brilhante. A personagem não poderia ter escrito aquele diário. É importante que Lo's Diary tenha sido finalmente publicado, depois da disputa na Justiça. Mas sua leitura é dispensável. É uma obra insignificante, que nunca sai da sombra de Humbert _predador desprezível condenado a cantar seu pecado com enorme beleza _ou de seu grandioso criador. O mérito do livro será fazer com que o leitor volte ao magnífico original: "Lolita, luz de minha vida, fogo de minhas entranhas. Meu pecado, minha alma".

Livro: Riso no Escuro
Autor: Vladimir Nabokov
Tradução: Jorio Dauster
Editora: Companhia das Letras

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Lançado: 21/12


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