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2. O Nome da Rosa - Textos publicados na Folha

Novo livro de Eco é lançado no Brasil

(publicado em 21/01/1995)

MANUEL DA COSTA PINTO
Da Redação

O livro mais festejado na Feira de Frankfurt do ano passado será lançado em português nesta segunda-feira: "A Ilha do Dia Anterior", de Umberto Eco.

Da mesma forma que em "O Nome da Rosa" e "O Pêndulo de Foucault", o novo romance do escritor está recheado de citações eruditas de filósofos, artistas e cientistas.

Seu hermetismo, porém, é amenizado pelo espírito de aventura de um enredo que mergulha no passado histórico --fórmula que transformou em best seller internacional esse semiólogo italiano, que até "O Nome da Rosa" (1980) brilhava apenas nos seletos círculos acadêmicos.

"A Ilha do Dia Anterior" se passa no século 17, a era da arte barroca, e tem como personagem central o jovem Roberto Pozzo de San Patrizio.

Filho da nobreza da região do Piemonte -eterno foco de disputa entre italianos, franceses e espanhóis-, o fidalgo se mete em intrigas palacianas dignas de Fabrizio Del Dongo, o herói de "A Cartuxa de Parma", de Stendhal.

Atendendo a convocação do cardeal Mazarino, Roberto embarca no navio Amarillis, no encalço de um inglês que teria descoberto uma fórmula exata de determinar os meridianos da Terra --precioso instrumento geopolítico numa era de expansão marítima.

O Amarillis, porém, naufraga nos mares do Sul e Roberto se vê à deriva até encontrar o Daphne, um navio cuja tripulação desaparecera e no qual encontra mantimentos e vestígios de vida que excitam sua imaginação.

É nesse ponto que o romance efetivamente se inicia, com um narrador "contemporâneo" reproduzindo, a partir de manuscritos deixados pelo náufrago, sua vida a bordo do navio abandonado, as memórias de suas peripécias nas cortes européias e de seus encontros com personagens históricas como Colbert e Richelieu.

Umberto Eco, porém, não é só um romancista com predileção por temas históricos, sendo impossível desvincular sua atividade ficcional de sua obra ensaística.

Se "O Nome da Rosa" problematizava, desde o título, a querela entre o nominalismo e o realismo na filosofia medieval, "A Ilha do Dia Anterior" metaforiza em larga medida o surgimento da ciência moderna através do espírito classificatório do século 17.

Assim, nas memórias de Roberto se estabelece uma oposição entre o método fantasioso de criar relações entre os objetos (como no "telescópio aristotélico" do padre Emanuele, uma engenhoca que cria metáforas aleatórias para as coisas) e uma epistemologia que recobre estes mesmos objetos com a universalidade da razão (caso, precisamente, da cartografia).

Ao representar essas diferentes formas de conhecimento, Eco faz uso de imagens que lembram as "epistemes" (formas de apropriação da realidade pela linguagem das ciências) descritas em "As Palavras e as Coisas" pelo filósofo Michel Foucault (e que, diga-se de passagem, não tem nada a ver com "O Pêndulo de Foucault").

Assim, seria difícil desvincular essa trama literário-filosófica das obsessões teóricas de Eco. "La Ricerca della Lingua Perfetta" (editora Laterza, Roma-Bari), um dos últimos livros desse professor da Universidade de Bolonha, é um passeio pelas utopias de uma língua universal, pelo sonho de encerrar o mundo no fundamento primeiro da racionalidade --a linguagem.

Portanto, longe de descrever em tom triunfalista a vitória do espírito científico sobre a fé, Eco conserva no romance o elemento distintivo dessa percepção linguística da realidade: a ironia.

Daí este "mis-en-abime" no qual o narrador tenta reconstituir a identidade de uma personagem que passou seus últimos dias tentando reconstituir o destino dos tripulantes do Daphne.

Afinal, Roberto Pozzo de San Patrizio também é um romancista, já que o escritor é alguém que tenta dominar o desconhecido através das palavras --conclusão a que ele já havia chegado ao final dos ensaios de "Seis Passeios pelos Bosques da Ficção" (Cia. das Letras).

Umberto Eco revela, assim, as preocupações essenciais que se escondem sob a leveza desse "scherzo literário" que é "A Ilha do Dia Anterior" --um romance que reitera a vocação metalinguística do romance moderno, seja ele histórico ou não.

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