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2. O Nome da Rosa - Textos publicados na Folha

Eco navega em CD ROM sobre Europa

(publicado em 14/05/1995)

HUMBERTO SACCOMANDI
Da Reportagem Local

Em sua última obra, Umberto Eco se lança no universo multimídia. Uma passagem natural e muito esperada. Há anos, o semiólogo italiano destaca a enorme oportunidade de descobertas através da navegação em sistemas eletrônicos.

Com "Guia Multimídia à História da Civilização Européia", CD ROM dirigido por Eco, o autor se propõe como capitão, condutor, nesta "navegação" no tempo e no espaço.

O "Guia" será composto por quatro volumes. O primeiro "Il Seicento", lançado em março, diz respeito ao século 17, os anos 1600, ao qual se refere o título italiano.

O resultado é provavelmente a principal obra de referência disponível atualmente em CD ROM. Talvez o primeiro contato da "alta cultura" européia com esse meio. Eco liderou um grupo de cerca de 50 professores e pesquisadores italianos, que prepararam os textos e selecionaram o material visual e musical. Além disso, ele participou da equipe de filosofia.

Como Eco diz na introdução, a obra constitui "uma proposta nova para o estudo e a didática, mas também para a pesquisa".

O ponto de partida para a consulta do "Guia" (ou Encyclomedia, como Eco chama a obra), é uma biblioteca. Ela não tem um formato tipo ambiente Windows, como seria de se esperar num programa de computador. É redonda, com uma sala central e várias salas especializadas. Como uma torre medieval, numa irônica referência ao livro e ao filme "O Nome da Rosa". Em um meio que tende a descompartimentalizar o conhecimento, devido à facilidade de navegação, Eco faz uma homenagem romântica ao passado.

As salas têm como tema: história, literatura e teatro, música, filosofia, ciência e tecnologia, e artes visuais. Cada sala está repleta de "livros virtuais", que podem ser abertos para consulta. Facilmente passa-se de um livro a outro, atravessando as paredes da biblioteca normal.

Ao contrário da maioria das obras em CD ROM, os textos desse "Guia" não provêm de uma obra impressa preexistente. Foram especialmente escritos para multimídia.

Além dos "livros", há trechos musicais, reprodução de obras de arte, animações, mapas, cronologias, etc. Num apertar de botão.

Ainda na introdução, Eco rebate as duas críticas que crê serão as mais comuns ao seu "Guia".

A primeira é que o CD ROM substituirá o livro. Eco não acredita que isso acontecerá. Para ele, a informática deverá substituir livros que não são propriamente lidos, mas consultados, como listas telefônicas, anuários, obras de referência, etc. Mas, no caso de obras literárias ou de aprofundamento, o papel continuará insubstituível.

A segunda crítica diz respeito à ênfase que o "Guia" dá à história dos acontecimentos, à cronologia histórica, em detrimento da história das relações sociais, da vida cotidiana, dos processos de longa duração. Eco concorda em parte com essa limitação de sua obra, mas acredita que ela vá estimular um tipo inédito de relação cronológica, na qual várias faces e aspectos de um acontecimento estarão facilmente disponíveis.

Assim, numa leitura sobre, por exemplo, o compositor Claudio Monteverdi (1567-1643), um dos precursores da ópera, pode-se facilmente acessar informações sobre teoria da música, outras manifestações artísticas da época, outras biografias relacionadas, contexto sociocultural, fatos, etc. Basta "clicar" o botão no mouse.

Numa rápida consulta realizada para a Folha, o professor de história Giovanni Bagnoli detectou, porém, uma deficiência: na Europa de Eco, Portugal não conta muito.

Ao "entrar" na sala de história, o usuário se depara com uma lista de países e regiões européias, sobre os quais é possível abrir livros e outras referências. Portugal não consta dessa lista.

Mesmo a cronologia referente à Holanda não traz, por exemplo, menção ao Tratado de Paz de Haia, de 1661. Por esse tratado, um importante acontecimento da política colonial, Portugal paga uma indenização pela expulsão dos holandeses do Brasil (ocorrida em 1654). Com esse dinheiro, a Companhia das Índias Ocidentais financia o início da produção de açúcar nas Antilhas. Isso muda o panorama da produção internacional de açúcar, até então monopólio de Portugal (através do Brasil).

Curiosamente, essa omissão surge num momento em que Portugal está sendo redescoberto pelos vizinhos europeus. Há promoções no âmbito da União Européia, reedições de Fernando Pessoa, o sucesso do romance "Sostiene Pereira"', do italiano Antonio Tabucchi (cuja versão para o cinema estreou recentemente), filmes (como "Lisbon Story", de Wim Wenders).

O tratamento coadjuvante dado a Portugal poderá irritar os portugueses, mas não tira o mérito de uma das melhores obras produzidas até agora para computador.

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