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2. O Nome da Rosa - Textos publicados na Folha
Berlusconi rema contra a Itália
(publicado em 12/05/2002)
UMBERTO ECO
A história é conhecida. Desde antes das eleições alguns jornais estrangeiros recearam, por diversas razões, uma vitória de Berlusconi. Alguns se lamentaram dessas ingerências externas, como se a Itália estivesse sendo tratada como república das bananas, esquecendo que os jornais italianos frequentemente pronunciam juízos sobre a política de outros países e criticam (legitimamente) um candidato às eleições na França ou nos Estados Unidos, detendo-se até de forma mordaz sobre escândalos que acontecem em países amigos.
Não há por que nós, italianos, possamos fazer algo que depois não permitiremos aos outros.
Terminadas as eleições, jornais de diversas línguas estigmatizaram várias iniciativas do nosso primeiro-ministro, desde as imprudentes afirmações sobre a superioridade ocidental até diversas leis que induziam esses bárbaros (que falam línguas estranhas e desconhecidas) a suspeitar que o novo governo perseguisse interesses privados em ações oficiais.
Mesmo nesses casos, as reações foram extremamente irritadas, e a linha seguida por Berlusconi e seus porta-vozes foi mais ou menos a seguinte: esses jornais são de esquerda, influenciados por homens da esquerda italiana que os induzem a escrever artigos difamatórios contra o nosso país.
Dessa maneira foi apresentada a imagem --obstinadamente divulgada-- do ex-primeiro-ministro Massimo D'Alema ou do líder oposicionista Francesco Rutelli tirando o telefone do gancho, ligando para os diretores de jornais até conservadores na Espanha, na França e no Reino Unido, convidando-os a escrever artigos contra o honorável Berlusconi. Estes correm para o telefone, dizem "sim, senhor", mergulham a caneta no veneno e caem em cima do demonizado.
Essa "história" revela uma noção bastante mafiosa da imprensa internacional, e só agora nos damos conta de quanto corresponde à idéia que Berlusconi tem das relações com a mídia --digo agora, quando vimos que o chefe do governo claramente ordenou ao conselho de administração e ao diretor-geral da RAI (rede de televisão estatal) que despedisse jornalistas hesitantes, digamos, em adulá-lo.
Mas tentemos ser indulgentes. Talvez o complô denunciado por Berlusconi existisse e ainda exista. Talvez todo correspondente estrangeiro na Itália seja de alguma forma submisso à esquerda --e por meio deles sejam desferidos os golpes demonizantes.
Tinha até sido propagada a idéia de que, se Rutelli e D'Alema têm esse poder sobre os jornais de todo o mundo --independentemente de sua posição política--, para sustentar o prestígio internacional da Itália seria preciso devolver imediatamente o governo a eles.
Mas se tratavam de piadas grotescas, pelo menos tão grotescas quanto a explicação que Berlusconi dava para essa inexplicável tendência estrangeira de julgar seus atos (que ele considera evidentemente irrepreensíveis).
Mas agora aconteceu coisa pior. Qualquer que seja a maneira pela qual foram formulados certos juízos, apareceu claramente que o ex-premiê Lionel Jospin e o presidente Jacques Chirac, no curso da campanha presidencial francesa, escolheram Berlusconi e a situação italiana como termo negativo de comparação. Quer dizer que, para obter votos, prometeram que não pretendiam fazer aquilo que Berlusconi faz. Como se dissessem: "Atenção, sou uma pessoa de bem, não farei no meu país o que Berlusconi está fazendo na Itália".
O procedimento não é inédito. Muitos políticos conduziram campanhas eleitorais dizendo que não teriam feito como a União Soviética, ou como Jörg Haider, que não eram nazistas, ou stalinistas, que não tinham ambições autoritárias, que não queriam que seu país se reduzisse ao nível daqueles governados por Amin Dada (Uganda), Duvalier (Haiti), Saddam Hussein (Iraque) e assim por diante.
Que Jospin, socialista, ex-trotskista e, ainda por cima, protestante tenha escolhido Berlusconi como exemplo negativo é algo óbvio. Jospin faz parte de uma internacional comunista. Mas, desta vez, quem também se uniu a esse jogo foi Chirac, talvez o representante mais típico (depois de Thatcher) da direita européia. Chirac disse aos seus: "Votem na direita porque nós não faremos como Berlusconi".
A essa altura, não é mais sustentável a idéia de que D'Alema e Rutelli tenham pego o telefone e sugerido a Chirac que fizesse o jogo deles.
Resta então uma dúvida: será que o nosso primeiro-ministro não faz realmente todas as coisas que um primeiro-ministro, de qualquer tendência, não deveria fazer?
Cada um de nós, em seu próprio âmbito, seja um industrial, um comerciante ou um escritor, faz sempre o melhor para que a Itália tenha uma boa imagem no exterior. Por que justo o primeiro-ministro rema contra?
Umberto Eco, escritor e ensaísta italiano, é autor de "O Nome da Rosa"
Tradução de Gustavo Steinberg
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