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2. O Nome da Rosa - Textos publicados na Folha
Dom-juan das LETRAS
(publicado em 26/04/2003)
MARCELO PEN
crítico da Folha
Dom-Juan das letras, Umberto Eco é um crítico sedutor. Por mais que possamos apor restrições à sua assumida "escritura neobarroca", à sua persistência na eleição da semiótica como modelo único da crítica de arte e à deselegância de chamar de "leitor superficial" quem não lhe aprecia as digressões romanescas, é difícil não se encantar pelas análises do autor em "Sobre a Literatura".
Há três razões principais para isso. A primeira, a despeito do adjetivo neobarroco do parágrafo anterior (na verdade, Eco o usa para definir seus romances, em oposição à prosa "clássica" de Jorge Luis Borges), está no texto claro, didático, em que o objetivo do ensaio costuma ser definido nos parágrafos iniciais e desenvolvido nos moldes da antiga retórica. O que prova que, para falar e Lacan ou da pós-modernidade, não é preciso ser obscuro.
Em seguida, temos sua conhecida erudição, que lhe possibilita percorrer com igual desenvoltura a geografia de luz do "Paraíso" de Dante, as brumas de "Sylvie", de Gérard de Nerval, as elucubrações medievais acerca da língua perfeita, a estratégia argumentativa do "Manifesto Comunista" e o universo de Flash Gordon.
A terceira razão reside em algo pouco notado, mas admitido pelo autor no último ensaio do livro ("Como Escrevo"): seu propósito de elaborar críticas à maneira de uma narração. Conta Eco que um dos relatores de sua tese de graduação se queixou de que o autor contava todo o caminho de suas idéias, incluindo aí as hipóteses e as pistas falsas. Eco não só concordou com a crítica, negativa, mas ainda inverteu-lhe o sinal, tornando-a positiva e seguindo, desde então, tal modelo de pesquisa "contada".
Essa confissão esclarece parte do deleite digamos "literário" dos ensaios e ainda dá uma boa pista para entender o Eco ficcionista. Em seus melhores momentos, para além dos enredos escalafobéticos e clichês romanescos, somos convidados a penetrar em densa selva de referências eruditas.
Diz o italiano: "Depois que me pus a escrever histórias, [estas] não poderiam ser outra coisa senão o registro de uma pesquisa". Ou seja, se Eco de certa forma, como ensaísta, sempre foi narrador, como narrador, nunca deixou de ser ensaísta.
"Como Escrevo" ainda revela a razão dos defeitos (que ele considera acertos) de obras como "O Pêndulo de Foucault". Para que um dos personagens pudesse incluir seus registros no computador, Eco foi forçado a uma longa digressão, de 1968 a 1983, quando os PCs com editor de texto começaram a ser vendidos na Itália. Por conta da restrição histórica, sacrificou a forma do romance.
Seu conservadorismo formal supera o mais realista dos realistas. Henry James, por exemplo, não deu pelota quando criou, em "Os Papéis de Aspern", um poeta norte-americano à Byron --ainda que isso fosse historicamente impossível na época em que o autor fez viver Jeffrey Aspern. Mas Eco, ao contrário de James, não admite licença poética.
Aparentemente menos rigoroso com seus presentes textos de crítica, faz comparações de impacto, como quando aproxima a estrutura do Paraíso dantesco ("Leitura do Paraíso") à energia pura intergaláctica e seu efeito no leitor, ao barato do ecstasy; ou quando afirma que Borges previu o hipertexto ("Entre La Mancha e Babel"); ou ainda quando sugere que, por sua eficácia retórica, o "Manifesto Comunista", de Marx e Engels ("Sobre o Estilo do 'Manifesto'"), deveria ser estudado em escolas de publicidade.
O tom descontraído se deve ao fato de que muitos dos ensaios de "Sobre a Literatura" (a maior parte dos anos 1990) foram extraídos de textos para congressos. Obrigam-se portanto aos recursos discursivos destinados a evitar o tédio da platéia. Menos acessíveis são os artigos em que Eco desce à análise da linguagem, como "Les Sémaphores sous la Pluie", em que investiga a hipotipose, técnica de representação verbal do espaço; ou "Wilde. Paradoxo e Aforismo", sobre a presença dessas figuras no discurso de Oscar Wilde.
Ainda temos, dentre outros, "A Poética e Nós", sobre o legado da "Poética" e da "Retórica" de Aristóteles; "The Portrait of the Artist as a Bachelor", sobre como, nas primeiras obras de James Joyce, podemos entrever tanto "Ulisses" quanto "Finnegans Wake"; e "A Força do Falso", sobre como mitos e equívocos movem a história.
Não é tão árido quanto parece. Se o leitor concordar que Eco é melhor narrador (exceto, talvez, no caso de "O Nome da Rosa") sobretudo quando apresenta seus argumentos críticos, então é possível que descubra aqui ampla margem para a diversão.
Sobre a Literatura
Ótimo
Autor: Umberto Eco
Editora: Record
Quanto: R$ 38 (308 págs.)
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