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3. O Amante - Textos publicados na Folha

Livro revela zona obscura da vida de Duras

(publicado em 20/08/1994)

BERNARDO CARVALHO
Da Reportagem Local

A editora Scritta lança na 13ª Bienal do Livro a biografia "Marguerite Duras - Uma vida por Escrito", de Frédérique Lebelley.

O livro sobre a vida da autora do best seller mundial "O Amante" provocou polêmica na França, onde foi publicado no início do ano. A própria Duras o repudiou violentamente para depois fazer as pazes com sua biógrafa.

Lebelley teve a idéia da biografia após uma longa entrevista que fez com a escritora francesa para o "Nouvel Observateur". Passou três anos no projeto. Foi ao Vietnã, onde Duras nasceu em 1914 e de onde saiu definitivamente em 1931. Os comunistas lhe abriram todos os arquivos sobre os colonos franceses na Indochina.

Fazer uma biografia de Duras é uma estranha empreitada: quase toda a obra da escritora está obcecada pela invenção de si mesma, um mosaico que mistura biografia e ficção sem delimitar fronteiras.

Lebelley diz ter tentado iluminar as zonas obscuras da vida da escritora, como o período da Ocupação nazista, o engajamento na Resistência sob as ordens de Mitterrand, o triângulo amoroso entre ela, o amante Dionys Mascolo e o marido Robert Antelme --e a deportação deste último.

Antes desta biografia, Lebelley havia escrito um livro sobre a prisão, com entrevistas com condenados à morte e à prisão perpétua. Pretende iniciar em breve uma biografia de Stefan Zweig --e, para isso, talvez venha ao Brasil, onde o escritor austríaco se exilou durante a guerra.

Folha - Para que servem as biografias?

Frédérique Lebelley - O que fiz não é uma biografia à moda americana, cheia de curiosidades. A obra e a vida de Duras são uma lição. A biografia de Duras nos ensina um século de nossa vida francesa, os erros que cometemos; nos faz ganhar tempo. Não é uma curiosidade sem profundidade, mas um aprendizado.

Folha - No caso de Duras, ela já contava sua vida na própria obra. A obra é uma permanente invenção de si mesma. O que uma biografia pode acrescentar?

Lebelley - A obra de Duras também é obcecada pela mentira sobre si mesma. Há zonas obscuras. Podemos fazer novas leituras. Quando digo que ela é cega em relação a si mesma, é a pura verdade.

Folha - Quais são as principais revelações do seu livro?

Lebelley - Há muitas. Por exemplo: 1958 é uma data de maturidade política para Duras e, no en tanto, ela escreve artigos de dona-de-casa nos jornais, com pseudônimo. Ninguém conhecia esses documentos. Ela escrevia textos para mocinhas. Ela podia escrever esses artigos e, ao mesmo tempo, atacar De Gaulle e o partido comunista. Toda a parte da guerra era desconhecida também. Ela nunca contou seu trabalho durante a Ocupação. Dois terços do livro nunca foram contados por ela.

Folha - Existem alguns parti-pris na sua biografia. Vê-se claramente que você é anti-gaullista e que tem uma especial admiração por Mitterrand. Esses posicionamentos explícitos não atrapalham uma biografia?

Lebelley - É uma opção que eu fiz; quis me colocar no lugar dela. Falo de De Gaulle e de Mitterrand como se os olhasse através dos olhos de Duras.

Folha - Com essa estratégia, você não corre o risco de cair no mimetismo da prosa dela?

Lebelley - Foi um pouco arriscado. Mas não acho que possam me reprovar isso, uma vez que foi uma opção minha; é uma coisa voluntária. Tudo o que escrevi antes e depois desse livro é diferente dele. Mas um livro sobre Marguerite Duras não poderia ser feito com qualquer tipo de palavras, com palavras acadêmicas, por exemplo. Queria que o leitor sentisse ressoar os mesmos sons da obra.

Folha - Ao final de todos os anos que você levou fazendo esse livro, com pesquisas e a convivência com a escritora, você ama ou detesta Marguerite Duras?

Lebelley - Sou grata a Marguerite Duras. Graças a ela pude explorar um terreno magnífico. É uma pessoa que nos deu uma grande obra, que se inscreve na história mundial. É, ao memso tempo, a descrição de um monstro.

Folha - Como seu livro foi recebido na França?

Lebelley - Foi uma paranóia. Tudo o que diz respeito a Marguerite Duras é uma paranóia, uma loucura. Após o filme "O Amante", de Jean-Jacques Annaud, as pessoas acharam que já tinham ouvido o suficiente da parte dela. Estavam cheias.

Hoje, na França, ela se tornou uma pessoa cuja opinião política não conta mais. Ela é muito marginalizada. Antes, as pessoas queriam saber o que ela pensava sobre tudo. Hoje, sabem que o que ela diz é sempre uma loucura, são coisas inutilizáveis.

O "NouvelObservateur" colocou minha biografia de Duras na capa da revista, o que provocou algumas reações, porque muitos autores publicam livros e não conseguem ter essa mesma divulgação. Quanto a Duras, num primeiro tempo, ela queria destruir o livro. Agora, ela se acalmou.

Folha - Se você tivesse que colocar Duras num ranking da literatura francesa ou mundial, em que lugar ela ficaria?

Lebelley - É difícil. Acho que ela é uma escritora essencial neste século. Há uma lição de Marguerite Duras. Ela ensina que podemos escrever sem ligar para nada, que não se deve procurar criar um estilo para fazer boa literatura. Ao contrário do nouveau roman, ela não é um laboratório da escrita, é a espontaneidade. Ela acaba com muitos complexos e abre a via direta para a autenticidade.

Livro: Marguerite Duras - Uma Vida por Escrito
Autora: Frédérique Lebelley
Editora: Scritta (estande 211 da Bienal)
Preço: Não definido; 221 págs.

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