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3. O Amante - Textos publicados na Folha

Peça de Duras reencontra o "amor singular"

(publicado em 08/10/1999)

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

É Madeleine, uma atriz "com a memória em desordem", quem recorda e narra a história de um grande amor para a Mulher Jovem. Mas é Helena Ignez, a atriz de lenda do cinema brasileiro, quem está ali, narrando e atuando ao lado de Djin Sganzerla, sua filha, jovem atriz.

A conjunção plena das duas na estréia do espetáculo anteontem no Sesc Belenzinho, para uma platéia pequena, mas deliciada, fez de "Savannah Bay" um espetáculo de sonho, em sua primeira apresentação.

Um espetáculo que se passa antes de mais nada entre as duas atrizes ou personagens em cena --que dialogam e guiam uma à outra, seja como intérpretes na estréia, seja como Madeleine e a Mulher Jovem no reencontro do passado.

Mal se percebe a diferença de experiência de Helena Ignez e Djin Sganzerla, ou ainda, das duas personagens, de tal maneira estão elas concentradas uma na outra, vinculadas uma à outra. O que não quer dizer, até pelo contrário, que alienem a platéia.

Chegam a falar diretamente ao público, a dirigir-se a ele, até porque muito da peça trata do teatro, daquilo que ele representa como uma alegoria da existência.

No drama poético de Marguerite Duras, a própria idéia da "atriz de teatro", como repete tantas vezes Madeleine, confunde-se com a imagem de alguém que ama, ama demais. "Savannah Bay", aliás, descrita no programa da montagem como "a região do amor e a história de um grande amor", se passa num ambiente sem desenho concreto, definido.

Faz sugestões vagas, por exemplo, quanto ao amor da história ter gerado "uma garotinha", a Mulher Jovem. Esta chama a suposta mãe, a certa altura, de "minha filha". Mas talvez elas sejam mais a mestra e a aprendiz, ao tratarem do amor.

O texto é todo assim --até o final-- carregado de idéias e expressões que vêm e vão, como as ondas que o diretor Rogério Sganzerla transformou na imagem recorrente do espetáculo. Como era esperado, em se tratando de cineasta, "Savannah Bay" até prioriza a atuação envolvente de mãe e filha, mas não perde chance para carregar o palco de cenas de deslumbramento.

Tem projeções, como num engenhoso leque ou vela de barco oriental --como em diversas outras sugestões de mesma origem-- em que surgem as imagens do mar. Tem uma iluminação desenhada, cortante. Seu cenário, assinado por Fernando Mello da Costa, é de poucos elementos, também de inspiração oriental e também geometricamente marcados.

Mas importam mais que tudo, de fato, Helena Ignez e Djin Sganzerla --a primeira expressando nos gestos e na fisionomia arrebatada a "memória em desordem" e a gradual lembrança da paixão; a segunda mais contemplativa, mais serena. Ambas inteiramente levadas por Marguerite Duras.

São as duas atrizes que, para além de narrar ou simplesmente interpretar, espelham o "amor singular", amor único que é origem e fim da peça. "Singular", único e, como qualquer amor, é o que parece dizer o texto, trágico: "Alguém chora de felicidade ao vê-los. Alguém chora porque eles vão morrer de amor".

Pode ser todo e qualquer amor, esse de "Savannah Bay". Savannah Bay é uma baía no Sião em que Madeleine teria vivido ou não esse amor "sem passado e sem futuro" de que ela tanto fala. Ou ainda, como quer o texto que abre a peça, "Savannah Bay é você".

Avaliação: Ótimo

Peça: Savannah Bay
Texto: Marguerite Duras
Direção: Rogério Sganzerla
Elenco: Helena Ignez e Djin Sganzerla
Concepção cênica: Helena Ignez
Quando: hoje e amanhã, às 21h, únicas apresentações
Onde: Sesc Belenzinho (r. Álvaro Ramos, 991, Belenzinho, tel. 0/xx/11/6096-8143)
Quanto: R$ 2 (comerciários) R$ 5; estacionamento grátis

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