3. O Amante - Textos publicados na Folha
"No fundo, ela não suportava a si própria"
(publicado em 27/11/1999)
FÁTIMA GIGLIOTTI
de Paris
No escritório da Éditions Pauvert, editora de "Cet Amour-là", lançado em setembro na França e que figura desde então na lista dos livros mais vendidos no país, seu autor, Yann Andréa, recebeu a reportagem da Folha. Simpático, quis saber como se escrevia seu nome em português e anotou em sua agenda "João".
Andréa era um estudante de filosofia em Caen, na Bretanha, quando leu pela primeira vez "Les Petits Chevaux". Caiu de amores pelo livro e pela escritora, Marguerite Duras. Conheceu-a em uma palestra, na qual conseguiu o endereço dela, e lhe escreveu centenas de cartas por cinco anos.
Até receber um convite para visitá-la no hotel Les Roches, em Trouville, na Normandia, em julho de 1980. Viveu com Duras, quase 40 anos mais velha, até a morte dela, em março de 1996.
"'Cet Amour-là' é uma tentativa de compreender essa relação. Mas até agora eu só compreendi este terceiro elemento que existia entre mim e ela, sua escritura", afirmou Andréa, que ficou, nos dois anos que se seguiram à morte de Duras, trancado num apartamento, "doente, tentando me recuperar da ausência dela".
O livro, que já despertou o interesse de duas editoras brasileiras, é o reencontro de Andréa com aquelas cartas da juventude. "Durante esses dois anos, todas as manhãs eu quis escrever para ela, mas não conseguia." Superada essa impossibilidade, em dois meses o livro estava pronto.
"No fundo, ela queria que nós morrêssemos os dois. Mas, na última semana, quando me disse adeus, eu compreendi que ela queria morrer só, e eu podia continuar a viver", confessou Andréa. Ele explicou que, enquanto ela estava viva, só podia datilografar os textos que ela lhe ditava, mas agora sentia-se livre para escrever.
Duras dedicou "O Verão de 80" a Yann Andréa, nome com o qual ela rebatizou seu último companheiro, que também aparece em seu filme "O Homem Atlântico", descrito como "o homem do olhar perdido". Ainda em "La Pute de la Côte Normande", ela relata sua relação com Andréa, problemática e aos gritos, e sugere sua opção pelo homossexualismo ("Ele procura belos homens, encontra alguns belos barmen").
Mas Andréa afirma que havia sexo entre eles, e prazer também. "Tenho pudor de falar, mas, sim, havia o corpo, prazer e era muito concreto." Ele conta que Duras, a quem nunca tratou de maneira informal, era uma pessoa "muito dentro das sensações, dos sentimentos". Para ela, "a verdade passa pelo corpo, não é um truque intelectual, e ela perseguia nos seus textos essa ligação entre o prazer e alguma coisa que estivesse além dele, que o superasse".
Andréa relata que a convivência com Duras foi uma aventura inacreditável, "porque havia uma coincidência entre a escritora, o nome Marguerite Duras e a mulher". "E só agora eu pude falar sobre isso, contar essa aventura pela primeira vez, porque quando a gente vive, vive, passeia, come, bebe, escreve, não pensa em nada. Ela percebeu isso primeiro, que nossa relação seria insuportável se não fosse assim, e alimentou a minha inocência, me preservou".
Mas não é com inocência que Andréa narra a história desse "amor". Há passagens nas quais ele revela como a escritora era cruel e como ele precisou se anular para "ser o preferido dela".
"Ela dizia que eu era extraordinário, depois me mandava embora, falava que não me aguentava. Eu compreendi que, no fundo, ela não suportava a si própria e não entendia como alguém podia viver com ela".
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