Folha Online
Biblioteca Folha
6. A Linha de Sombra - Textos publicados na Folha

"Agente Secreto" atesta grandeza de Conrad

(publicado em 09/02/95)

JOSÉ GERALDO COUTO
Da Reportagem Local

Quando se fala em Joseph Conrad (1857-1924), pensa-se imediatamente em "Lord Jim" (1900), "Nostromo" (1904) e "Coração das Trevas" (1902), títulos fundamentais da prosa moderna em língua inglesa.

São, em geral, aventuras do corpo e do espírito em terras (ou, antes, em águas) inóspitas e longínquas.

Com sua trama política ambientada na Londres do início do século --um atentado frustrado contra o observatório de Greenwich--, "O Agente Secreto" (1907) parece meio deslocado na biblioteca conradiana. Não foram poucos os preguiçosos que se apressaram em considerá-lo pejorativamente um romance de entretenimento, uma "obra menor" do autor.

A chegada da obra às livrarias brasileiras, na criteriosa tradução de Laetitia Cruz de Moraes Vasconcellos (irmã de Vinicius), pode ajudar a desfazer esse equívoco.

Além de manter as preocupações éticas que dão densidade aos outros grandes textos de Conrad, "O Agente Secreto" comprova a extrema habilidade narrativa do autor, seu domínio completo do ritmo, do crescendo dramático, do tom e da ironia.

É um livro de entretenimento, sim, se com isso se quer dizer uma história que se lê com prazer da primeira à última página.

Há um agente infiltrado num grupo anarquista para forjar um atentado espetacular e forçar o governo a adotar a linha dura. Há uma embaixada de uma potência do Leste, há espiões, especialistas em explosivos, aristocratas, detetives. Há ação e reviravoltas, drama doméstico e utopia internacional, patifaria e traição -tudo tratado com ironia e humor deliciosos.

A proeza de Conrad consiste em passar da discussão ideológica ao drama miúdo, da descrição à reflexão, com uma fluência espantosa. Alternando com precisão os focos narrativos, ele muda o tom dramático a seu bel prazer, ao mesmo tempo que expõe uma rica galeria de personagens e raciona astuciosamente as informações ao leitor.

As surpresas vêm menos de artifícios mirabolantes (como costuma acontecer nos best sellers vulgares) que do modo de narrar, do jogo de luz e sombra que o autor constrói em torno de seu singelo "caso" -inspirado, aliás, num acontecimento real.

Para o leitor brasileiro, há ainda uma ironia adicional: a ação terrorista que está no coração do livro lembra em vários aspectos o frustrado atentado ao Riocentro -o autor explode em lugar da vítima.

A mistura de humor e morbidez, de tragédia e farsa que envolve o episódio já seria testemunho suficiente da grandeza --humana e literária-- de Conrad.

Livro: O Agente Secreto
Autor: Joseph Conrad
Tradução: Laetitia Cruz de Moraes Vasconcellos
Editora: Imago (tel. 021/293-1092)

Livro da semana

Livro anterior

"Sargento Getúlio"
Lançado: 21/12


Copyright Folha Online. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página
em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folha Online.