10. Cem Anos de Solidão - Textos publicados na Folha

A autobiografia

(publicado em 19/10/2002)

GABITO

"(...) Não foi fácil me reanimar e, na emergência, tia Francisca derramou em mim a água batismal. Eu deveria me chamar Olegário, que era o santo do dia, mas ninguém tinha à mão o santoral."

"Desde sempre sofri a tortura matinal de ter os dentes escovados por Mina, enquanto ela [a avó Tranquilina] tinha o privilégio mágico de retirar os seus para lavá-los e deixá-los em um copo com água enquanto dormia.

Convencido de que aquela era sua dentição natural, que ela punha e tirava com artes guajira, fiz com que me mostrasse o interior de sua boca para que eu visse como era o lado avesso dos olhos, do cérebro, do nariz, dos ouvidos, e sofri a desilusão de não ver nada além do paladar."

GABO

"(...) Até hoje acordo no meio da noite, perturbado por aquela sensação. (...) Num instante tomei consciência do meu corpo com uma clareza dos instintos que nunca tornei a sentir e que me atrevo a lembrar como uma morte deliciosa. Desde então soube de alguma forma confusa e irreal que havia um mistério insondável, que eu não conhecia, mas que me perturbava como se eu o conhecesse.

GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ

"Os nomes da família me chamavam a atenção porque me pareciam únicos. Primeiro os da linha materna: Tranquilina, Wenefrida, Francisca Simodosea. Mais tarde, o da minha avó paterna --Argemira-- e os de seus pais --Lozana e Aminadab. Talvez daí me venha a firme convicção de que os personagens das minhas novelas não caminham com seus próprios pés enquanto não tenham um nome que se identifique com seu modo de ser."

"A pobreza de meus pais em Barranquilla era exaustiva, mas me deu a sorte de construir com minha mãe uma relação excepcional. Sentia por ela, mais que o compreensível amor filial, uma admiração pelo seu caráter de leoa calada, mas feroz frente a adversidade."

A autobiografia

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