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13. Angústia - Textos publicados na Folha

'Memórias' reconstitui um destino nacional

(publicado em 15/02/1994)

Adaptação de 'Memórias do Cárcere' por Nelson Pereira evoca a tendência do Brasil a ter governos arbitrários INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Filme: Memórias do Cárcere
Produção: Brasil, 1983
Direção: Nelson Pereira dos Santos
Elenco: Carlos Vereza, Glória Pires
Onde: hoje, às 21h, no Espaço Banco Nacional de Cinema

É quando não se espera nada de Nelson Pereira dos Santos que ele sai com tudo. "Memórias do Cárcere" sucedeu uma fieira de filmes pelo menos duvidosos e chegou em um momento já declinante do cinema brasileiro.

Havia, portanto, mais de um motivo para duvidar de seu êxito. A surpresa não esperou o fim dos letreiros de apresentação: bastou o achado inicial (a fantasia sobre o Hino Nacional composta por Gottchalk) para que qualquer um na sala notasse que o filme bateria fundo.

O que vem a seguir não desmente a primeira impressão. Sempre usando essa música como leitmotiv, Nelson Pereira reconstitui a aventura de Graciliano Ramos (o filme é baseado em seu livro autobiográfico) com sentido de época apurado (a ditadura Vargas), sem perder de vista o presente.

Falava-se, no fundo, da sequência de governos arbitrários a que o Brasil é sujeito. E nesse sentido é que a fantasia sobre o hino funciona de maneira formidável. Sem que se diga uma palavra, sem incorrer no vício da presentificação de um tema histórico, o filme consegue ir além do livro e evocar uma espécie de destino nacional, uma continuidade, um mesmo fluxo evocado pelo motivo condutor.

O filme não depende apenas dele. Da interpretação dos atores principais (Carlos Vereza e Glória Pires) 'a evolução de uma trama em que se acumulam episódios por vezes tocantes (a prisão de Olga Benario e seus contatos com Prestes, antes da deportação), Nelson Pereira constitui uma história íntima do Brasil sob o Estado Novo.

Faz dialogar o privado e o público, o pessoal e o político, com uma desenvoltura digna de "Vidas Secas", seu trabalho mais famoso (e também baseado em Graciliano). Não será demais lembrar que esse foi o último grande trabalho de José Medeiros, um dos fotógrafos que mais marcaram o cinema brasileiro desde os anos 60.

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