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13. Angústia - Textos publicados na Folha

O mestre da suspeita

(publicado em 09/03/2003)

MAURÍCIO SANTANA DIAS
da Redação

Graciliano Ramos de Oliveira morreu em 20 de março de 1953 achando que todos os livros que havia escrito eram "chinfrins". A auto-avaliação pode parecer descabida a alguém que deixou algumas das melhores obras da moderna literatura brasileira, como "São Bernardo" e "Vidas Secas". Mas também é verdade que todo grande autor sempre teve alguma desconfiança de sua própria obra --em dois casos extremos, Franz Kafka pediu ao amigo que destruísse seus escritos, e Nicolai Gogol jogou no fogo a segunda parte de seu romance "Almas Mortas". No entanto poucos expressaram esse desconforto com tanta insistência e raiva quanto Mestre Graça, como era chamado pelos amigos.

Nascido em 27 de outubro de 1892, na cidadezinha de Quebrangulo, encravada no sertão de Alagoas, Graciliano cresceu sob o regime das secas e das surras paternas, formando desde cedo a idéia de que todas as relações humanas são regidas pela violência: violência psicológica, física, de classe. Esse é o grande tema que atravessa a sua obra, ponto cego contra o qual o escritor opôs uma busca obstinada por clareza e ordenação sintática.

A necessidade de ver de perto os aspectos menos "nobres" da vida social e afetiva fez com que Graciliano pintasse, por exemplo, o seguinte quadro dos pais, no livro autobiográfico "Infância" (1945): "Um homem sério, de testa larga (...), dentes fortes, queixo rijo, fala tremenda; uma senhora enfezada, agressiva, ranzinza (...), olhos maus que em momentos de cólera se inflamavam com um brilho de loucura". O pessimismo, presente já no romance de estréia, "Caetés" (1933), foi-se acentuando nos livros seguintes: "São Bernardo" (1934) e "Angústia" (1936). "Os heróis de Graciliano são seres (...) que se devoram por dentro; não têm outro objetivo que não o de se destruírem lentamente, completamente", observou Roger Bastide num artigo de 1947.

À análise do meio social, com suas figuras derrotadas, se superpõe a auto-análise obsessiva, que em "Angústia" atinge o ponto máximo, chegando ao delírio da linguagem. "Romance desagradável, abafado, ambiente sujo (...) Solilóquio doido, enervante. E mal escrito", disse Graciliano a respeito do livro em suas "Memórias do Cárcere" (1953, póstumo). A esperança, quando aparece --como no final de "Vidas Secas" (1938)--, é apenas uma possibilidade remota.

Única obra narrada na terceira pessoa, "Vidas Secas", seu último e mais famoso romance, expõe a existência quase impossível de uma família de retirantes. Sua força, magnificamente transposta para o cinema por Nelson Pereira dos Santos em 1963, deriva sobretudo do distanciamento do narrador, do uso das pausas e silêncios, recursos que amplificam a miséria material e simbólica de suas personagens e parecem incluir, nessa mesma condição, todos os leitores.

No cinquentenário da morte de Graciliano Ramos, o Mais! decidiu contrariar a desconfiança do autor --"o maior pessimista desta literatura de pessimistas que é a brasileira" (Otto Maria Carpeaux)-- e lhe dedicar este número especial. Afinal a literatura do Velho Graça é boa "como o diabo", para usar uma de suas expressões.

Em investigação inédita, feita no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, o repórter Mário Magalhães reconstitui a militância do escritor no Partido Comunista Brasileiro. Benedito Nunes fala em entrevista sobre o sentimento de absurdo em Graciliano, e Silviano Santiago escreve um diário ficcional dos últimos dias do autor. Finalmente Ferreira Gullar, Luiz Costa Lima, Luis Bueno, Beatriz Resende e João Cezar de Castro Rocha comentam suas principais obras.

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