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15. Pantaleón e as Visitadoras - Textos publicados na Folha
Jornalismo de entretenimento
(publicado em 01/10/2000)
MARCELO COELHO
do Conselho Editorial
Para fugir um pouco do clichê, não digo que este romance de Vargas Llosa seja daqueles que prendem a atenção da primeira à última página. Mas, do segundo capítulo em diante, torna-se muito difícil interromper sua leitura.
É o momento em que a narração passa a se concentrar na figura do ditador Rafael Trujillo (1891-1961), que governou a República Dominicana de 1930 a 1961. Estamos às vésperas de um atentado contra Trujillo --ou "O Bode", como é chamado. Assistimos a seu despertar, acompanhamos seus minuciosos cuidados com a higiene pessoal, somos informados de seus desconfortos na próstata e vamos pouco a pouco entrando em contato com a sinistra rotina de governo.
Asseclas de todo tipo
Enquanto isso, conspiradores tramam a sua morte, os Estados Unidos pressionam contra os abusos do regime e asseclas de todo tipo --o chefe da polícia secreta, o senador caído em desgraça, o diplomata encarregado de arranjar meninas para Trujillo deflorar-- apresentam suas variantes individuais da covardia e da abjeção humana.
Trujillo domina a todos com frieza e senso de humor perverso. É o ditador latino-americano por excelência, ou um dos seus casos mais extremos --capaz de nomear o filho de sete anos oficial do Exército, de rebatizar com o próprio sobrenome a capital do país, de torturar e matar quase que por diversão.
"A Festa do Bode" funciona muito bem como retrato de um regime e ganha ainda maior interesse quando narra o processo de transição para a democracia, se é que se pode falar em democracia. Com grande vividez jornalística, Vargas Llosa mostra a habilidade do sucessor de Trujillo, Joaquín Balaguer (1906), nesse processo.
Em geral, "habilidade política" é um desses termos que, como "tino comercial", por exemplo, parecem um pouco abstratos para quem vê as coisas de fora.
Nos capítulos finais do romance, a figura ambígua de Balaguer --trujillista histórico e político aparentemente insignificante-- assoma ao primeiro plano e vem ilustrar de modo fascinante a sutileza com que se pode agir no âmbito palaciano.
Sexo, poder, aberrações de personalidade, suspense político --o livro de Vargas Llosa tem tudo isso; mistura bem o entretenimento e a informação histórica.
Literatura secundária
Como literatura, entretanto, situa-se num plano bastante secundário. Vargas Llosa sempre foi um romancista hábil, usando bem os recursos do "flashback" e da mudança de foco narrativo --personagens secundários num capítulo assumem o papel principal em outro, jogando sempre com o interesse do leitor. Surpreende, entretanto, que "A Festa do Bode" seja por momentos tão simplório e inverossímil no esforço de informar o leitor sobre as circunstâncias históricas em que se desenvolve a trama.
Há, por exemplo, o artifício da "falsa amnésia". Vemos diálogos em que os principais representantes do regime parecem ter falhas de memória --isso de modo a que um personagem possa explicar (para o leitor, naturalmente) fatos que nenhum dos envolvidos haveria de ignorar.
Outro artifício é o que poderíamos chamar de "falsa introspecção". O narrador finge "entrar" no íntimo do personagem --e então o personagem se entrega a longas reconstruções de seu passado. Só que isso é feito sem nenhuma densidade psicológica, sem nenhuma nuance subjetiva: um relatório biográfico se atropela em algumas páginas, apenas para que o leitor fique inteirado do "quem é quem" da ditadura dominicana.
Um terceiro artifício, ainda pior e infelizmente comum nesse tipo de romance histórico, poderia ser chamado de "interpelação". O narrador, num efeito sentimental, se dirige diretamente ao personagem: "Sim, Fulano, agora é o momento em que você enfrentará seu inimigo... Lembra-se daquela vez, quando... etc. etc.".
Parágrafos como teletipos
Por vezes, Vargas Llosa força a mão nas descrições dos personagens. Tudo bem que um político do regime seja repulsivo. Mas o livro tem frases como estas: "Sentado, parecia mais obeso do que em pé: a enorme barriga havia aberto o roupão e pulsava com fluxo e refluxo compassados. Cabral imaginou aqueles intestinos dedicados, tantas horas do dia, à laboriosa tarefa de deglutir e dissolver os bolos alimentares que a figura voraz tragava".
A crise dominicana se precipita. O autor parece ter pressa e produz parágrafos como um teletipo. O filho de Trujillo trata de sua sobrevivência no poder, "pondo à frente da Fortaleza de Santiago de los Caballeros, a segunda do país, o general César A. Oliva, companheiro de promoção e amigo íntimo. Também deu um jeito de levar ao comando da Quarta Brigada, com sede em Dajabón, o general Garcia Urbáez, aliado leal. Por outro lado, contava com o general Guarionex Estrella, comandante da Segunda Brigada, com base em La Vega..." etc.
Para não ficar tão jornalístico, "A Festa do Bode" alterna a narração dos acontecimentos de 1961 com a história de Urania Cabral, filha de um senador trujillista, que volta ao país depois de 30 anos de ausência para acertar contas com o passado.
Embora o autor pareça depositar em Urania Cabral a função de dar maior densidade psicológica e "cara de romance" ao livro, ela não chega a ser uma personagem --é mais um artifício de rememoração dos absurdos da ditadura e no fundo tem pouco a fazer no romance. Pois "A Festa do Bode", afinal, não se sustenta muito como romance, ainda que seja uma ótima mistura de entretenimento e jornalismo.
A Festa do Bode
450 págs., R$ 37,00
de Mario Vargas Llosa. Tradução de Wladir Dupont. Mandarim (av. Raimundo Pereira de Magalhães, 3.305, CEP 05145-200, tel. 0/xx/11/3649-4610).
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