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21. As Cidades Invisíveis - Textos publicados na Folha

Italo Calvino usa a ironia para subverter o conto clássico infantil

(publicado em 28/09/1995)

MÔNICA RODRIGUES COSTA
Editora da Folhinha

"Quem Ficar Zangado Primeiro Perde" é uma recriação delicada de um conto europeu clássico de Italo Calvino (1923-1985), para crianças, incluído nas "Fábulas Italianas".

O livro, da Companhia das Letrinhas (40 páginas), chega hoje às livrarias. Traz belas ilustrações da edição alemã, de 1994, criadas por Susanne Janssen, que acrescentam em humor e suscitam a imaginação, por serem pouco definidas ou, até, pouco descritivas.

Foi traduzido por Nilson Moulin, o mesmo de "O Barão nas Árvores" (Companhia das Letras), também do escritor italiano.

Calvino é célebre por suas narrativas fantásticas que discutem com ironia a natureza das coisas. Em "Seis Propostas para o Próximo Milênio", fundou uma espécie de poética para o futuro.

"Quem Ficar Zangado Primeiro Perde", escrito em 1956, transforma a realidade em fábula. O (bom) humor é o objeto mágico central, que substitui as soluções tradicionais dos contos de fada, como árvores ou animais encantados.

O duplo sentido do título sugere a ironia maior de Calvino, que usa a estrutura dos contos maravilhosos para entreter as crianças.

Em entrevista, Calvino já declarou que escrever um texto "é um ato que deve obedecer a certas regras ou transgredi-las deliberadamente". Para ele, o aspecto lúdico e o humor são "metodologicamente necessários, pois colocam tudo em discussão, até o que se acabou de dizer".

São visíveis as substituições à história do rei que, antes de morrer, quer delegar ou dividir o reino entre seus três filhos.

Na fábula de Calvino, o rei é um homem pobre, e a herança são três sacolas de moedas, fruto do próprio trabalho do pai, que os filhos têm a missão de multiplicar.

Em vez de o filho mais velho (o filho pródigo) ser o primeiro a sair pelo mundo para fazer fortuna, o do meio, Fiore, se adianta. Vai trabalhar para um padre.

Fiore conta ao padre sobre as moedas. O senhor arcipreste, que também tem uma sacola com moedas, propõe um desafio. O primeiro a ficar zangado perde o seu dinheiro para o outro.

O padre deixa Fiore louco de raiva porque mantém o rapaz faminto, trabalhando no campo. Calvino exagera o caráter paródico da história ao fazer o religioso assumir o papel do ganancioso.

Fiore rompe o pacto. A mesma coisa acontece com Giovanni, diante das gargalhadas do senhor arcipreste.

Com o caçula, Pirolo, é diferente. Ele vence o primeiro obstáculo --a resistência dos irmãos em lhe deixar ir, com medo de perder as moedas que restavam.

Mas Pirolo faz a aposta com o padre, e suas ações passam a prever e a prevenir as armadilhas.

Pirolo vence pela astúcia. O elemento mágico é sua imaginação, que faz porcos afundarem no chão e ovelhas saírem voando.

Sem perder o impacto da tensão e do alívio que as resoluções das narrativas clássicas provocam, o conto de Calvino propõe que o leitor compare os aspectos originais com o que foi alterado. "Alegre como uma Páscoa". Pirolo, volta vencedor para casa.

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