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21. As Cidades Invisíveis - Textos publicados na Folha

Galpão divide Italo Calvino ao meio na mineira "Partido"

(publicado em 14/07/1999)

ERIKA SALLUM
Da Reportagem Local

Eles já provaram há tempos que Minas é muito mais que a terra do pão de queijo, encantando o Brasil com sua versão barroca de "Romeu e Julieta" (92). Agora, associados ao ator e diretor paraense Cacá Carvalho, os mineiros do Grupo Galpão experimentam o universo do italiano Italo Calvino, encenando uma peça --literalmente-- partida ao meio.

Em cartaz apenas de hoje a domingo, no Sesc Pompéia, em São Paulo, "Partido", mais novo espetáculo da companhia, é uma versão particular do livro "O Visconde Partido ao Meio", escrito por Calvino (1923-1985) em 1951.

O nobre Medardo de Terralba vai à guerra e leva um tiro de canhão que o divide ao meio. Assim, separado em dois, retorna a sua cidade natal.

Na adaptação do Galpão, dirigida pelo "forasteiro" Carvalho, Medardo é o único a permanecer inteiro: todos os outros personagens, além do cenário e iluminação, estão partidos ao meio.

"Ao longo de meses de experimentações, vislumbramos uma possibilidade interessante: e se o visconde não fosse dividido em dois? E se o resto fosse partido? Como uma pessoa partida olha quem está inteiro?", diz Carvalho.

Por "experimentações", entenda-se meses de ensaios exaustivos, em que foram concebidas cerca de 20 adaptações da obra de Calvino, realizadas por Cacá Brandão, do Galpão. Junte-se a isso a agenda lotada do diretor, que na época interpretava Jamanta, da novela "Torre de Babel".

Ator experiente, de trabalhos com Antunes Filho e Roberto Bacci, no Centro de Experimentação e Pesquisa Teatral de Pontedera (Itália), Carvalho, incansável, tentou encenar o texto em um açougue ("onde as carnes são cortadas"), em uma construção e até em um parque de diversões.

"Como traduzir cenicamente um ser dividido fisicamente? Quais analogias seriam a chave cênica para transpor essa imagem? Um desafio que me fascinou e me instigou a montar o obra."

Ao final de quase um ano de trabalho, chegou-se a uma atmosfera em que o palco é de papel, repleto de letras, como um livro. Criados por Márcio Medina, os figurinos são duplos, em que um ator é, ao mesmo tempo, um homem e um cavalo; uma atriz interpreta, simultaneamente, uma mãe e uma cabra. Detalhe: os tecidos das roupas foram feitos em tear, especialmente para a peça.

A pedido do diretor, os atores da companhia trouxeram objetos pessoais, que foram sendo guardados em malas, que hoje decoram o palco. "Se você me perguntar o que há dentro das malas, não sei, nunca vi. Eu precisava de material pessoal de cada um, para tentar traduzir em atos as palavras de Calvino. Ir construindo a cena, como se constrói uma casa."

Para um grupo formado essencialmente por atores, o convite a Carvalho foi proposital. "Quando chamamos o Cacá, tínhamos em mente essa sua preocupação com o trabalho de ator. Ele trouxe uma visão profunda da interpretação", afirma Eduardo Moreira, ator, diretor e um dos fundadores do Galpão --que completa agora 17 anos (leia texto abaixo).

Apesar de trazer em seu histórico muitas experiências com atores, Carvalho conta que esse é seu mergulho mais profundo na direção --profissão que não pretende seguir, a não ser em função de seu próprio trabalho como ator.

"Foi uma experiência inesquecível. Como o visconde, saio dela inteiro e partido. Inteiro porque conheci companheiros maravilhosos. E partido porque sei que esse tempo não volta mais."

Peça: Partido
Direção: Cacá Carvalho
Quando: de hoje a sábado, às 21h, e domingo, às 18h
Onde: Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, Pompéia, tel. 0/xx/11/3871-7777)
Quanto: de R$ 10, R$ 7,50 (usuários) e R$ 5 (comerciários e estudantes)
Patrocinadores: Telemig Celular e Banco BMG

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