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22. Dublinenses - Textos publicados na Folha

Joyce revém

(publicado em 13/11/1999)

HAROLDO DE CAMPOS
Especial para a Folha

Acabo de receber a magnífica edição do Livro 1º do "Finnegans Wake" ("Finnicius Revém", como Augusto e eu batizamos em "brasileirês" o oniro-relato da vigília/ velório/(re)vivificação do desastrado pedreiro Tim Finnegan, aliás HCE - Here Comes Everybody, Heis Cadaqual Evem, ou, como Donaldo Schüler o preferiu, o Homem a Caminho Está).

A primeira "livração" da publicação brasileira "em andamento" traz introdução e oportunas notas explicativas do tradutor, o gaúcho Donaldo Schüler, e uma percuciente "orelha" de João Alexandre Barbosa. Vem, ainda, com ilustrações, melhor dizendo "iluminuras/inscrituras" paleomodernas da carioca Lena Bergstein, dotada de um traço fascinante.

O escritor, helenista e professor de literatura Schüler, autor, entre outros títulos, de enriquecedores estudos sobre a estrutura do Canto 9 da "Ilíada" (Movimento, 1976), teve a gentileza de dedicar-me essa primeira florada da sua devota e paciente recriação brasileira do "opus magnum" do dedálico artífice Joyce.

Apenas recebi o exemplar a mim oferecido, o que me inabilita no sentido de proceder a um escrutínio minucioso do "finneganês" abrasileirado por Schüler (tarefa que me proponho realizar, assim que Homero --estou obcecadamente embrenhado em plena metade de minha "trans-helenização" da Rapsódia 5 da "Ilíada" --me der permissão...).

Desde logo, porém, verifico que Schüler tomou o partido do difícil, optando por uma tradução que procurasse reconfigurar as peculiaridades únicas do "sanscredo" joyceano, ao invés de contentar-se com um mero e aguado traslado explicativo, como, por seu lado, o fez o tradutor Philippe Lavergne, na sua (pioneira na cronologia) versão integral do "FW" para o francês (Gallimard, 1982).

O "Finnicius Revém de Schüler", pelo que aporta e aportará, com a sua simples aparição, para o entendimento e o desfrute de Joyce em português, é um evento auspicioso, que, como tal, merece ser consignado com pedra branca ("albo lapide notari", diziam os romanos...).

O livro chega a nosso público após a referida versão francesa, mas também depois de outra réplica integral, a tradução japonesa, por Naoki Yaness (Kawade Shobo, Tóquio, 2 vols., 1993, um trabalho que tira partido da polissemia homofônica e da variedade gráfica do idioma nipônico). Também de 93 é a notável edição alemã, pela Jürgen Hausser Verlag, da imaginativa "transcriação" do "FW" por Dieter H. Stündel.

Em italiano, Luigi Schenoni apresentou, em edição Mondadori (1982), "FW/HCE", compreendendo os quatro primeiros capítulos da obra, aos quais acrescentou, em 1996 (Einaudi), a seção Anna Livia Plurabelle.

No Brasil, ocorreu um fenômeno curioso: a "transcriação" de excertos do "FW" precedeu de alguns anos a do Ulisses por A. Houaiss (1966), tendo exercido evidente influxo sobre ela.

Haroldo de Campos, poeta, é autor de tradução, com Augusto de Campos, de trechos de "Finnegans Wake", publicados em "Panaroma do Finnegans Wake" (1962)

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