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Suíça negou asilo a Joyce e Robert Musil

(publicado em 26/02/1998)

FÁTIMA MIRANDA NUNES
especial para a Folha, de Lausanne

Relatos detalhados de refugiados e requerentes de asilo na Suíça, entregues aos campos de concentração alemães, estão agora pairando sobre a consciência helvécia ao questionar o papel do país na Segunda Guerra Mundial, quando se dizia neutro no conflito.

Os arquivos do Conselho de Estado Federal da Suíça, recém-abertos à consulta pública na capital Berna, revelam que não foram os cidadãos judeus os únicos a terem problemas para entrar na Suíça durante a guerra --sendo que muitos judeus foram deportados ou entregues à polícia nazista.

Robert Musil, escritor austríaco, autor do célebre "L'homme sans Qualités" (O Homem sem Qualidades), e o irlandês James Joyce ("Ulisses") passaram por terríveis momentos junto à Polícia Suíça de Estrangeiros, chefiada em 1938 por Heinrich Rothmund --que em agosto de 1942 baixaria a lei de deportação de todos os estrangeiros em território suíço.

No caso do escritor austríaco e sua mulher, Marta, foi negado o asilo, ainda que contassem com todo o apoio de Thomas Mann. O escritor alemão Mann bem que tentou interceder junto à polícia, explicando que Musil era um escritor célebre em seu país, que pretendia se instalar na Suíça para escrever a continuação de "L'homme sans Qualités". Mas Rothmund concede apenas uma permissão de dois meses.

A Sociedade Suíça de Escritores (SSE) examina o pedido de Musil. Porém, o presidente da SSE, Fleix Moeschlin, estava cansado de receber pedidos de asilo de escritores estrangeiros que, a pretexto de escrever a beleza das montanhas, acabavam se imiscuindo nas redações dos jornais, seduzindo os editores com seu talento e tomando o lugar dos suíços. Assim, Robert Musil não poderia colaborar com nenhum jornal ou revista suíça, deveria recusar todo emprego como redator ou diretor de redação e negar entrevistas à imprensa.

Ele foi impedido de ganhar a vida na Suíça, a Alemanha proibira a circulação dos seus livros e seu dinheiro estava terminando. Toda essa emigração forçada acaba pesando sobre a saúde de Musil, que acabara de completar 61 anos.

Em 15 de abril de 1942, Marta encontra-o morto na banheira. Sua esposa o esperava para começar o jantar que comemoraria o 30º aniversário de casamento.

Concorrência

No caso do pedido de asilo de James Joyce, feito em 30 de setembro de 1940, a situação era ainda pior, porque, depois de 1938, toda a solidariedade deteriorara em virtude do avanço do nazismo. Assim, sua entrada no país é negada.

Joyce estava refugiado com sua família na vila de Saint-Guéraud-le-Puy (França), à beira de um colapso nervoso, esperando um visto de entrada na Suíça. Nos relatos frios dos arquivos de Berna lemos hoje que Rothmund pergunta à SSE "se esse sr. Joyce é respeitado pelos escritores suíços como um autor de nível internacional, e se as atividades do requerente de asilo poderiam enriquecer o patrimônio suíço". Mais: se "não haveria o risco de Joyce incomodar os escritores do país ou mesmo lhes fazer concorrência".

James Joyce deveria ainda provar que possuía recursos para permanecer na Suíça: a Polícia de Estrangeiros exige um depósito de 50.000 francos suíços para lhe conceder um visto.

No começo de novembro, Joyce, desesperado, apela aos amigos americanos a fim de que lhe enviem dinheiro. O Banco de Crédito Suíço se ocupa da transação, não sem antes exigir 1% de juros ao ano sobre o montante do depósito.

Em 29 de novembro de 1940, Joyce e sua família obtêm autorização para entrar na Suíça, mas o visto de permanência ainda está pendente. Joyce chega a Zurique, mas, três semanas depois, na noite do dia 9 de janeiro de 1941, tem violentas dores no abdômen e é conduzido às pressas a um hospital. O diagnóstico é úlcera perfurada de duodeno.

Os arquivos de Berna não esclarecem bem se sua morte foi anunciada pela Polícia de Estrangeiros ou pela Sociedade de Escritores, o que macula ainda mais a imagem de neutralidade da Suíça na Segunda Guerra.

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