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Coleção traz grandes acontecimentos que marcaram século 20

(06/06/2003)

JOSÉ GERALDO COUTO
da Folha de S.Paulo

Muito da história do século 20 pode ser lido nas linhas e sobretudo nas entrelinhas dos grandes romances do período. Pelos 30 livros que a Folha começa a colocar à disposição do leitor no próximo domingo, passam as guerras, revoluções, crises econômicas, ditaduras policiais e incertezas políticas que convulsionaram o século.

Claro que nem sempre esses acontecimentos ocupam o centro da narrativa. São, em geral, seu pano de fundo, ou antes sua moldura. A maneira como a história entra nesses livros é oblíqua e depende sempre da faculdade de transfiguração dos escritores.

A Primeira Guerra Mundial, por exemplo, aparece quase como um eco em "Rumo ao Farol", de Virginia Woolf, em que uma família passa férias com amigos numa ilha localizada na Escócia no início do conflito.

Mas a crise vivida por um navio em alto-mar em "Linha de Sombra", de Joseph Conrad, publicado em 1917, pode muito bem ser lida como uma alegoria do impasse extremo vivido pela civilização durante a guerra, na qual combatia um filho do próprio autor.

Por outro lado, os horrores sofridos num internato pelo protagonista do romance de formação "O Jovem Törless", publicado em 1906 por Robert Musil, antecipam de certa forma a própria guerra e os Estados policiais que se formariam em seguida a ela.

Terror totalitário

Entretanto, a grande profecia do terror totalitário, escrita no calor da Primeira Guerra Mundial, seria "O Processo", de Franz Kafka, que retrata o pesadelo de um mundo em que o indivíduo não compreende os mecanismos invisíveis que o aprisionam.

Significativamente, tanto o austríaco Musil como o tcheco Kafka vinham das bordas da cultura germânica que viveria a aventura hitlerista.

O totalitarismo, em especial o da Rússia stalinista, reapareceria sob a forma de fábula em "A Revolução dos Bichos" (1945), de George Orwell.

O período que se seguiu à Primeira Guerra, com tudo o que ela trouxe de fim da inocência, de questionamento dos valores e de desespero existencial, foi fértil em grandes obras de ficção.

América

Se um romance como "O Grande Gatsby", de Scott Fitzgerald, fala de uma América de novos ricos e hedonismo suntuoso -cujo contraponto é uma aguda crise moral-, "O Fio da Navalha", de Somerset Maugham, acompanha a trajetória de um americano que, depois de lutar na guerra, rompeu com sua cultura e foi buscar no velho Oriente um novo sentido para a vida.

Um outro tipo de exilado do sonho americano aparece no autobiográfico "Trópico de Câncer", de Henry Miller, que buscava na vivência radical do sexo um antídoto à mediocridade burguesa.

Por fim, há os livros que mostram as periferias dos impérios moribundos ou emergentes.

Os contos de "Dublinenses" (1914), de James Joyce, fazem uma espécie de história da vida privada da nascente Irlanda, que só se tornaria independente do jugo britânico em 1922.

Em "O Amante", o ocaso do domínio francês na Indochina é o pano de fundo do amor paradoxal entre uma adolescente francesa e um chinês mais velho na Saigon dos anos 30.

América Latina

A Cuba pré-Fidel Castro, amplamente dominada pelos Estados Unidos, aparece por sua vez na sátira de espionagem "Nosso Homem em Havana", de Graham Greene.

As mazelas tragicômicas dos grotões da América Latina emergem, sob formas literárias diversas, nas obras "Pantaleón e as Visitadoras", de Mario Vargas Llosa, "Sargento Getúlio", de João Ubaldo Ribeiro, e sobretudo em "Cem Anos de Solidão", do autor Gabriel García Márquez, que lança mão do fantástico para buscar o espírito mais profundo desse continente.

Em suma: de Dublin a Macondo, o que não falta é história nessas histórias.

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Lançado: 21/12


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