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Umberto Eco: Imagem de monge envenenado me fascinou

(14/06/2003)

UMBERTO ECO

Os meus romances nasceram todos de uma idéia inicial que era pouco mais do que uma imagem, que tomou conta de mim e me fez ter o desejo de ir em frente. "O Nome da Rosa" nasceu quando fui atingido pela imagem do assassinato de um monge em uma biblioteca.

Já que nas "Notas ao Nome da Rosa" escrevera que tinha vontade de envenenar um monge, essa fórmula provocativa foi tomada em sentido literal, desencadeando uma série de perguntas sucessivas sobre por que eu queria cometer esse crime.

Mas eu não tinha realmente vontade de envenenar um monge (e de fato não envenenei nenhum): eu estava fascinado pela imagem de um monge envenenado enquanto lia um livro na biblioteca. Não sei se estava sob a influência da poética tradicional dos livros policiais anglo-saxões, e por isso o crime devesse ser cometido em um vicariato.

Talvez estivesse partindo de algumas emoções que experimentei aos 16 anos, durante um curso de exercícios espirituais em um monastério beneditino, onde passeava entre clausuras góticas e romanas e depois entrava em uma biblioteca sombria onde, sobre um leitoril, achei abertos os "Acta Santorum", nos quais aprendi que não existia somente, como me fizeram acreditar, um abençoado Umberto, festejado no dia 4 de março, mas também um santo bispo Umberto festejado no dia 6 de setembro, que convertera um leão em uma floresta.

Mas se vê que, naquele momento, enquanto folheava aquele in-fólio aberto verticalmente diante de mim, em um silêncio soberano, entre lâminas de luz que entravam por vitrais opacos quase talhados nas paredes que terminavam em ângulos agudos, tive um momento de inquietude.

Não sei. O fato é que aquela imagem, do monge assassinado durante a leitura, a um certo ponto me exigiu construir alguma outra coisa ao seu redor.

O resto nasceu pouco a pouco, para dar sentido àquela imagem, inclusive a decisão de situar o acontecimento na Idade Média. Primeiro achei que deveria se passar no nosso tempo; depois decidi que, visto que conhecia e amava a Idade Média, melhor seria transformá-la em teatro da minha história. O resto veio sozinho, pouco a pouco, lendo, revendo imagens, reabrindo armários onde se acumulavam havia 25 anos as minhas fichas medievais, escritas por razões totalmente diferentes.

Umberto Eco, escritor e ensaísta italiano, é autor de "O Nome da Rosa" e "Apocalípticos e Integrados"

Tradução de Gustavo Steinberg

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