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Em "O Amante", Duras vive seu próprio romance

(21/06/2003)

CASSIANO ELEK MACHADO
da Folha de S.Paulo

Poucos escritores cabem tão bem dentro da (desgastada) expressão "minha vida é um livro aberto" quanto Marguerite Duras. Toda a trajetória dessa francesa nascida na Indochina foi uma espécie de jogo de xadrez entre sua biografia e a ficção que sobre ela aos poucos decantou.

"O Amante" é o xeque-mate dessa partida. Lançado em 1984, quando Duras já era uma respeitável septuagenária das letras francesas, o breve romance escancarou o que havia nela de mais "só dela" até então.

Eram ingredientes de alta combustibilidade. Enquadrava a falência de sua família na Saigon dos anos 30, dava pinceladas sobre a loucura da mãe, o mau-caratismo do irmão mais velho, opiômano, e, em close, narrava o achado do sexo, aos 15 anos e meio, com um rico chinês uma década mais velho. E Duras explodiu.

"O Amante", terceiro título que a Biblioteca Folha leva às bancas, amanhã, valeu à escritora o Prêmio Goncourt, o mais prestigiado da França, e o passaporte de autora best-seller não apenas nas fronteiras francófonas.

Dona de uma bibliografia até então mais afeita aos experimentos, experimentos que também levou adiante no cinema, como diretora de mais de dez filmes e roteirista de clássicos como "Hiroshima, Meu Amor" (1959), de Alain Resnais, Duras ganhou as massas literárias.

"O Amante" foi traduzido para 40 línguas, vendeu mais de 3 milhões de exemplares e preencheu telas de cinema de todo o mundo, em adaptação de Jean-Jacques Annaud criticada pela autora ("só autorizei por grana"), mas bem sucedida nas bilheterias.

Duras seguiu adiante. Se ela já estreara na ficção levando sua vida ao romance, com "Uma Barragem contra o Pacífico", de 1950, também sobre sua infância no Oriente, depois do sucesso de "O Amante" continuou levando ainda mais fundo a relação vertiginosa do inventado e vivido.

A escritora, que trouxe no próprio nome mais um exemplo de suas muitas jogadas "biografia x ficção" _ela nasceu no Vietnã em 1914 como Marguerite Donnadieu_, chegou até a reescrever, com mais detalhes, seu best-seller, relançado em 1991, cinco anos antes de sua morte, como "O Amante da China do Norte".

Neste, Duras não encontrou a mesma sintonia fina de seu primeiro "amante", onde joga com maestria entre a primeira e a terceira pessoa, com uma delicadeza fria de gelar a espinha.

Como diz a escritora, em uma célebre frase de "O Amante", que resume muito o que foi sua entrega aos livros: "A história da minha vida não existe".

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