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Pessimismo compõe centro de "Angústia"
(30/08/2003)
FLÁVIO MOURA
free-lance para a Folha de S.Paulo
Na obra de Graciliano Ramos (1892-1953), três vertentes se destacam. Em primeiro lugar, o estudo da influência do meio sobre o homem, em que predomina uma visão distanciada da realidade. Em segundo, o memorialismo, em que a ficção cede espaço às reminiscências do autor. Por fim, a investigação psicológica, em que o autor opera uma pesquisa profunda da singularidade dos personagens. “Angústia”, que a Biblioteca Folha lança amanhã, enquadra-se nesta última.
Publicado em 1936 e considerado pelo crítico Antonio Candido o “mais ambicioso e espetacular” livro de Graciliano, “Angústia” é o retrato dos tormentos por que passa o protagonista, Luís da Silva. Aos 35 anos, ele leva uma existência medíocre em Maceió. Escreve artigos encomendados por políticos, dá expediente numa repartição pública, ganha pouco e tem o hábito de ler romances sob a mangueira de seu quintal.
Quando uma jovem chamada Marina muda-se para a casa vizinha, cai apaixonado, pede-a em casamento e gasta todas suas economias no enxoval. É nesse ponto que entra em cena Julião Tavares, comerciante de família rica e influente que lhe rouba a garota. A perda o faz mergulhar num abismo interior, e lentamente insinua-se em seu espírito a idéia de cometer um crime.
Como os demais livros do escritor, “Angústia” se caracteriza pela expressividade da linguagem, despida de adjetivos e artifícios de tema ou estilo. Também estão presentes o pessimismo, expresso na secura de sua visão de mundo, e uma sintaxe severa como as paisagens nordestinas que descreve em “São Bernardo” (1934) e “Vidas Secas” (1938), para citar dois entre seus livros mais importantes. Por esses e outros atributos, Graciliano já foi considerado, segundo o crítico Alfredo Bosi, o maior romancista brasileiro depois de Machado de Assis.
O que torna “Angústia” específico da linhagem psicológica é a ausência de limites entre a realidade narrada e a do narrador. Desiludido, solitário e dotado de um poder mórbido de auto-análise, Luís da Silva é um homem acuado pela realidade, e desenvolve uma conduta digna dos mais torturados personagens de Dostoiévski. “Das visões que me perseguiam naquelas noites compridas umas sombras permanecem, sombras que se misturam à realidade e me produzem calafrios”, lê-se no primeiro parágrafo do romance.
A história é contada em três planos: o da infância do narrador, passada nas fazendas de Alagoas e povoada por lembranças de cobras e do avô; o da realidade objetiva; e o plano do devaneio, em que cultiva o projeto de cometer o crime. A passagem de um a outro é nebulosa, o que dá à composição um aspecto que reflete o estado mental do personagem.
“Forjei o livro em tempo de perturbações, mudanças, encrencas de todo o gênero, abandonando-o com ódio, retomando-o sem entusiasmo”, escreveu o autor, conhecido pelo rigor com que julgava a própria obra. No dia 3 de março de 1936, o mesmo em que entregou os manuscritos à datilógrafa, foi preso pelo regime de Getúlio Vargas em razão de suas atividades ditas subversivas. Desde a juventude, a atividade de escritor caminhou de par com a atuação política. Depois de ter sido preso, Graciliano passou a viver no Rio, onde se filiou ao Partido Comunista Brasileiro e foi eleito presidente da Associação Brasileira de Escritores.
Presentes desde o primeiro livro, os traços autobiográficos ficam mais pronunciados a cada obra. Os pontos mais significativos dessa trajetória são “Infância” (1945), sobre os anos de menino no interior de Alagoas, e “Memórias do Cárcere”, livro publicado no ano de sua morte em que relata a experiência na prisão.
“Os romances de Graciliano Ramos são experimentos para acabar com o sonho de angústia que é esta vida”, escreveu o crítico Otto Maria Carpeaux. Eis aí uma boa oportunidade de pôr à prova a afirmação.
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