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Marcel Proust faz reflexão sobre tempo e linguagem

(22/11/2003)

MARCOS FLAMÍNIO PERES
Editor-adjunto do Mais!

Quando Marcel Proust publicou em 1913 "No Caminho de Swann", primeiro volume de "Em Busca do Tempo Perdido", ele tinha claro que estava iniciando uma das experiências mais inovadoras da história do romance. Dividido em sete volumes, esse ciclo arrojado, de concepção arquitetônica construída sobre "o edifício imenso da lembrança", se organiza a partir do elemento mais volátil possível --o tempo, que pela primeira vez é elevado de forma ostensiva a elemento estruturador de uma obra romanesca.

Não o tempo da "memória voluntária, da inteligência", mas o da memória do narrador --"involuntária", necessariamente particular e restritiva, que reagrupa e ressuscita impressões, sensações e idéias ligadas à experiência.

Para recuperar o passado, "todos os esforços de nossa inteligência são inúteis. Ele (...) está escondido em algum objeto material (na sensação que nos daria esse objeto material) de que não suspeitamos (...)", diz o narrador no capítulo inicial, "Combray".

Esse objeto e sua sensação se materializam em uma das cenas mais citadas e talvez menos lidas da história da literatura --a da "madeleine" embebida no chá, que desperta no narrador uma "associação de lembranças" ligadas à Combray, onde passava as férias quando garoto: "As pessoas do vilarejo e seus pequenos negócios e a igreja e toda Combray e suas redondezas, tudo o que adquire forma e solidez saiu, cidade e jardins, de minha xícara de chá".

Intoxicação pelos sentidos que é destrinchada exaustivamente pelo narrador, não por acaso um escritor. Toda a obra não apenas reflete sobre o tempo, mas também sobre o próprio ato da escrita.

No capítulo seguinte, "Um Amor de Swann", as análises psicológicas penetrantes roem até o osso as motivações das personagens, como se se tratasse de um ponto de vista naturalista cujo objeto não é apenas a sociedade, mas a própria psique. O requintado Charles Swann, apaixonado pela cortesã Odette --em quem reconhece poucas qualidades, mas de quem não consegue se desligar--, é tratado de forma patológica pelo autor, que transforma sua paixão --"uma doença"-- em estudo sobre os mecanismos do ciúme.

De caráter autobiográfico (Proust era assíduo frequentador dos salões parisienses), "No Caminho de Swann" satiriza de forma devastadora a vida mundana de Paris, tanto a dos "habitués" dos salões da aristocracia --"os entediados"-- quanto a dos "fiéis" dos salões da burguesia.

Mas o legado de Proust ao romance não teria de modo algum a mesma força hoje sem o trabalho revolucionário da linguagem. Seu fraseado complexo, repleto de orações intercaladas, busca mimetizar o próprio ritmo da língua oral. Sabe-se que ele exigiu de seu editor que fossem suprimidos de "No Caminho de Swann" os travessões que marcam as falas, de modo que pudesse ser lida e sentida como um fluxo temporal contínuo. Não foi atendido.

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