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Musil busca desvendar o inconsciente

(06/12/2003)

HÉLIO SCHWARTSMAN

da equipe de editorialistas da Folha

"O Jovem Törless", do escritor austríaco Robert Musil (1880-1942), flerta, desde o início, com um tom sombrio: "Cada noite lhe significava um nada, uma sepultura, uma extinção. Ele ainda não aprendera a morrer a cada fim de dia sem se preocupar". E esse caráter melancólico só faz se acentuar até o fim do romance.

O livro, autobiográfico, narra a experiência de um jovem interno num colégio militar nos confins do Império Austro-Húngaro na virada do século 19 para o 20. O enredo é relativamente simples: um dos estudantes, Basini, é pego por colegas roubando. É submetido então a uma série de perversidades, que incluem espancamentos e jogos homossexuais. Törless, embora procure se manter numa condição de observador, dos eventos e de si mesmo, está entre os abusadores. Sai do colégio em estado de confusão moral.

Como seu contemporâneo Sigmund Freud, Musil tinha grande interesse pelo inconsciente, ainda que não aceitasse bem as idéias do pai da psicanálise. Musil, que faz uma leitura mais nietzschiana do inconsciente, não admitia a premissa freudiana de que o inconsciente é acessível à linguagem racional. Para ele, só a linguagem poética, a analogia, poderia trazer pistas sobre o inconsciente, que ele preferia chamar de "a outra condição". Nesse sentido, Musil era até mais radical do que Freud.

Törless está dividido entre dois mundos. O primeiro é, claro, racional, familiar, burguês, disciplinado, consciente. O segundo é sombrio, misterioso, sensual, baixo, espontâneo, inconsciente. O livro trata basicamente da experimentação e dos cambiantes limites entre os dois universos. Por vezes a separação entre eles é abismal, por vezes tênue.

O romance não traz nenhum detalhe, mas nos informa que Törless, "passados os problemas da juventude", "veio a se tornar um homem de espírito refinado e sensível". De alguma forma, Törless soube equilibrar suas pulsões e encontrou-se na civilização.

É aqui que o texto se torna parabólico. "O Jovem Törless" pode ser lido também como uma obra profética, que antecipa os terríveis acontecimentos do século 20. Os dois comparsas de Törless, Reiting e Beineberg, se mostram manipuladores competentes e cruéis. São capazes de levar a classe (as massas?) aonde querem e fazer com que ela dirija sua ira contra Basini, que consideravam moralmente inferior (raça subumana?).

Como grande escritor que foi, Robert Musil consegue articular esses vários planos de maneira tão direta quanto possível -outra marca nietzschiana. Lê-lo é mergulhar num universo lúgubre e nada bonito, mas literariamente extraordinário.

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