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7. O Caso Morel - Textos publicados na Folha
Fonseca volta com lucidez que cega
(publicado em 12/04/2002)
MARCELO PEN
Crítico da Folha
MUITOS personagens do novo volume de contos de Rubem Fonseca têm algo a dizer sobre a vida. "A vida é assim", afirma o velho de "A Escolha", "ninguém consegue tudo o que quer". Ou: "A vida é um jogo de soma zero", como sentencia o amante de "Soma Zero". Ou, segundo o enlouquecido protagonista de "Sucesso": "A vida não é uma anedota com final feliz".
Mas não é somente sobre a vida em geral que discursam. Eles fornecem sua opinião sobre a família, a televisão, a vigarice e, é claro, sobre os homens e as mulheres. "As mulheres são seres estranhos, adoram patifes que sejam bondosos e engraçados", observa o herói de "O Garoto Maravilha". "Os homens são muito tolos, muito mais vaidosos do que as mulheres", assegura a heroína de "O Pior dos Venenos".
O que chama a atenção é a atitude dogmática com que eles expressam esses juízos de valor. Os personagens de Fonseca são assertivos, arrogantes, seguros de si, intolerantes. Agem como se um excesso de lucidez os cegasse. Emitem generalizações e se comportam de uma forma tão análoga que se confundem entre si. O larápio de "Meu Avô" se parece com a coquete de "O Pior dos Venenos" que se parece com o ator de "Miss Julie" que se parece com o conquistador de "Caderninho de Nomes".
Essa característica não desmerece em princípio a prosa de Fonseca. O romancista americano Henry James também foi criticado por não diferenciar muito seus personagens. Eles pensariam, agiriam e falariam de modo semelhante. James procurava um tipo especial de personagem por meio do qual poderia apresentar suas histórias: alguém bastante inteligente para refletir a situação retratada, mas não inteligente demais a ponto de deixar de se surpreender com seus desdobramentos.
Fonseca também parece buscar um herói determinado: um ser, como vimos, convicto de suas opiniões, que enxerga o mundo com uma simplicidade atroz e, na maioria das vezes, age por impulso e por instinto. Em consequência, podemos nos apoiar sobre seus ombros e ver a situação que o envolve com maior clareza do que ele próprio.
Quando crê dominar a realidade, esta o ilude e lhe dá o troco, seja obrigando-o a aceitar seu destino, seja apanhando-o de surpresa. O ator de "Miss Julie", por exemplo, acha que compreendeu o jogo estabelecido entre ele e uma suposta prostituta, mas esta mostra que o enganara o tempo todo. A viúva caridosa de "Virtudes Teologais" aplaca sua consciência esmolando os pobres até ver que a realidade era muito mais complexa. A aceitação do destino ainda pode se dar por meio da vingança, com a eliminação do objeto do ódio, como em "Ganhar o Jogo" e "Nove Horas e Trinta Minutos".
Iludir ou ser iludido: essa é a única opção que se oferece aos personagens. Adversários num jogo que geralmente não dominam, seu destino é a solidão, como define Saturnino Vieira de "Ilha": "Todo homem é uma ilha [...]. Todos os prazeres eram fugazes. Todo diálogo era de surdos. Ninguém entendia ninguém".
No universo cinicamente pessimista, melancolicamente cômico criado por Rubem Fonseca, as pessoas são muito menores que a vida. Por causa de sua miopia intelectual, julgam dominá-la e acabam frustradas por ela. Só resta a essa gente comezinha arrotar certezas. Que, sabemos, não a redimirão.
Pequenas Criaturas
Ótimo
Autor: Rubem Fonseca
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 28 (286 págs.)
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