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20. Nosso Homem em Havana - Textos publicados na Folha

Greene chora o fim da poesia no cinema

(publicado em 24/01/1995)

Compilação publicada nos EUA traz todos os textos de crítica cinematográfica publicados pelo escritor

JOSÉ GERALDO COUTO
Da Reportagem Local

Acaba de sair nos Estados Unidos uma preciosidade cinéfilo-literária: um tijolo de 740 páginas chamado "The Graham Greene Film Reader" (Applause Books).

É a maior compilação já publicada de textos sobre cinema do escritor inglês, morto em 1991 aos 87 anos. São resenhas de filmes, artigos, cartas, entrevistas, argumentos, prefácios de livros.

Greene foi talvez o autor contemporâneo que mais teve seu trabalho levado às telas: nada menos que 31 filmes foram baseados em suas obras ou tiveram roteiro seu.

Participar da realização de filmes era um anseio de Greene desde que começou a escrever sobre eles, em seus tempos de universitário em Oxford. Não demorou muito para que ele cruzasse a fronteira entre a crítica e a prática.

Na verdade, antes mesmo de começar, em 1935, a exercer profissionalmente o ofício de crítico nas publicações especializadas "The Spectator" e "Night and Day", ele teve um romance adaptado por Hollywood: "Stamboul Train", que na versão da Fox virou "Orient Express" (1934).

A partir daí, Greene conjugou as duas atividades: escrever livros (que eventualmente viravam filmes) e escrever sobre filmes.

À diferença, portanto, de tantos escritores e intelectuais que sempre viram o cinema de modo desfocado, como uma "arte menor", Graham Greene era do ramo. Nunca lhe ocorreu analisar um filme com base em critérios contrabandeados da literatura.

Pode ter ocorrido quase o contrário: o que ele esperava do cinema é que fosse uma diversão tão popular quanto os esportes sangrentos ou as brigas de galo.

Linguagem do cinema

Há pelo menos três coisas que chamam a atenção nesta compilação: a mordacidade das críticas de Greene, a aguda percepção da especificidade do cinema como meio de expressão e a dolorosa consciência da impossibilidade de realizar no cinema uma obra tão pessoal e sob controle como a que realizava na literatura.

Greene foi crítico profissional entre 1935 e 1940, uma época em que o cinema sonoro, sobretudo o narrativo, buscava sedimentar uma linguagem. Antes disso, como crítico eventual, ele havia lamentado a introdução do som no cinema. Segundo ele, a fala punha em risco as conquistas expressivas da nova arte. O cinema se aproximava perigosamente do teatro, abandonando sua sintaxe visual.

Nos anos 30, atropelado pelo triunfo do sonoro, Greene passou a valorizar os diretores que conseguiram incorporar o novo meio sem prejuízo da invenção visual: Lang, Capra, Renoir.

A defesa de um cinema popular e de entretenimento não impedia Greene de valorizar a "poesia" cinematográfica. Numa crítica do filme russo "Kronstadt", ele escreveu: "Isso é o que cinema poético deve significar: não peças de Shakespeare adaptadas a um meio ainda menos adequado que o palco moderno; mas poesia expressa em imagens, o que deixa entrar um pouco mais de vida comum do que a que está na história".

Crítico implacável

Em seus primórdios como crítico amador, ainda nos anos 20, Greene desenvolveu a curiosa teoria de que o cinema tinha três "províncias" principais: o épico, a fantasia e o funcionamento da mente. Os americanos eram insuperáveis no épico, os expressionistas alemães no funcionamento da mente. Só sobrava aos ingleses tentar ocupar a província da fantasia. Mas eles eram muito incompetentes para isso.

O escritor era implacável com o cinema britânico, que ele considerava pomposo e vazio. Dizia que na porta dos estúdios do prestigioso produtor Alexander Korda deveria haver uma placa: "Abandonai toda a vida, ó vós que entrais". Ironicamente, acabaria fazendo roteiros para Korda.

Hitchcock, outro orgulho britânico, não recebia tratamento melhor. Greene o considerava um bufão cheio de truques na manga, mas de modo algum um grande artista (leia trecho abaixo).

Sua intolerância com o mestre do suspense foi tão grande e duradoura que disse não quando este quis filmar "Nosso Homem em Havana". O filme acabou sendo feito em 59 por Carol Reed -o mesmo que dirigira dez anos antes "O Terceiro Homem", o melhor filme baseado em roteiro seu.

A agressividade de Greene valeu-lhe muitas inimizades e dissabores.

O caso mais sério foi o do processo que a Fox moveu contra ele por ter praticamente acusado o estúdio de ser uma espécie de gigolô da sensualidade infantil de Shirley Temple. O escritor teve de desembolsar 500 libras de indenização.

Se mudou frequentemente de idéia sobre artistas e produtores, se retratando, voltando atrás, manteve porém uma coerência básica contra a transformação do cinema em puro mercantilismo.

Nas últimas décadas, desencantado com o fato de o cinema ter realizado tão pouco de suas imensas promessas, via um filme por ano, quando muito.

No artigo memorialístico "O Romancista e o Cinema", ele escreve: "Como escritor, não tenho o otimismo cego do produtor de filmes que acredita contra toda evidência que de alguma forma os atores errados, o diretor errado, o cameraman errado, o diretor de arte errado, o processo cromático errado vão todos se juntar e produzir um acidente feliz".

Livro: The Graham Greene Film Reader
Editora: Applause Books
Preço: US$ 35
Onde encomendar: livraria Cultura (tel. 011/285-4033)

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"Sargento Getúlio"
Lançado: 21/12


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