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20. Nosso Homem em Havana - Textos publicados na Folha
'Fim de Caso'
(publicado em 24/03/2000)
Neil Jordan dirige romance de Graham Greene, em filme que estréia hoje no Brasil
CLAUDIO CASTILHO
MILLY LACOMBE
Especial para a Folha, em NY
Dizem que o que separa o maluco do gênio é o sucesso. Se for esse o caso, o diretor Neil Jordan ("Traídos pelo Desejo", "Entrevista com o Vampiro") tem de entrar para o segundo grupo.
Seu novo filme, "Fim de Caso", que estréia hoje no Brasil, tem sido aclamado pela crítica americana e européia de modo unânime; parece não haver dúvidas de que esse é seu melhor trabalho até hoje. O jornal "The New York Times" não poupou elogios e classificou o filme como "intoxicante".
De quebra, ele ainda leva o mérito de ter dirigido Julianne Moore para uma atuação brilhante e reconhecida pela Academia (ela concorre, neste domingo, 26, ao Oscar de melhor atriz por sua atuação no filme).
Mas o irlandês Jordan, 50, que faturou o Oscar de roteiro por "Traídos pelo Desejo" (1992), é sempre notícia à parte, considerado uma das figuras mais excêntricas de Hollywood.
Para manter a fama, apareceu para esta entrevista, num hotel em Nova York, com jeito de quem perdeu a hora e algo mais: os cabelos absolutamente despenteados, a camisa amarrotada e desabotoada e com a barba por fazer. Armou-se de um prato de frutas frescas, de uma xícara de café e começou a falar.
Logo fica claro que idéias são bem menos esquisitas que sua aparência. Ele é desses sujeitos intensos, apaixonados, cheio de convicções e que, para contrapor, fala em tom abaixo do normal.
Com o jeito calmo e sem parar de comer, ele contou à Folha por que decidiu adaptar o romance de Graham Greene, escrito em 51.
Trata-se do complexo conflito amoroso e existencial vivido por um escritor inglês durante a Segunda Guerra.
Traição, obsessão, paixão e ciúme estão por todos os lados, e Jordan, que começou a carreira como novelista e já publicou um livro de contos e três romances, diz ter se identificado com o personagem principal, vivido pelo ator Ralph Fiennes ( "O Paciente Inglês"). "Eu sei o que sente um escritor obcecado diante de uma folha de papel em branco", disse ele.
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Folha - Por que esse filme em particular?
Neil Jordan - Primeiramente, porque o livro é fantástico. Eu o li pela primeira vez quando tinha 18 anos. Há questão de cinco anos, resolvi relê-lo e foi aí que achei que a história poderia virar um excelente filme.
Com 18 anos, minha interpretação do livro era de que tratava-se de uma história de ciúme e traição, ponto. Ao relê-lo, percebi que era bem mais.
É dessas histórias que permitem um milhão de interpretações, diferentes pontos de vista e, por isso, extremamente rica. A história principal, de certa forma, tinha sido sombreada pela obsessão religiosa de Graham Greene no livro. Meu objetivo era refletir esse relacionamento doentio por meio dos personagens. Se conseguisse fazer isso, teria um bom filme.
Folha - Como o senhor selecionou o elenco?
Jordan - Eu sempre admirei Julianne Moore e ela demonstrou muito interesse em fazer o papel de Sarah Miles. Minha única preocupação era com relação ao sotaque britânico que ela teria de simular. Eu não sabia até que ponto ela poderia atingir o nível de perfeccionismo que esperava.
Fiz um teste com ela e outras atrizes inglesas e ficou claro que ela, apesar de americana, era a melhor.
Para confirmar minha impressão, Julianne e Fiennes "clicaram" instantaneamente. Já para viver Maurice Bendrix, que é o alter ego de Greene, eu tinha Fiennes na cabeça.
Folha - Ralph Fiennes, por ser muito reservado, ainda é um mistério para o público em geral. Como é trabalhar com ele?
Jordan - Ele é um ator fantástico. Sempre concentrado, muito atento e capaz de fazer os papéis mais complexos, como esse. Ele é o único ator que eu conheço que traça o perfil do personagem que vai interpretar pelas roupas que esse mesmo personagem usa. Ele estuda os mínimos detalhes. Mas sua característica mais evidente é a timidez. Conheço poucas pessoas tão tímidas como ele.
Folha - Qual a sua característica mais marcante?
Jordan - Bem, tem uma coisa que eu nunca faço que pode ser classificada como característica: nunca improviso. Na minha cartilha está escrito em letras garrafais: improvisar, jamais. Ensaio várias vezes, discuto com o elenco as miudezas de cada personagem, esgoto o tema antes de filmar.
Folha - Fale um pouco sobre a atmosfera sombria e chuvosa do filme. Foi idéia sua?
Jordan - Eu queria que a fita parecesse muito claustrofóbica, sinistra. É uma história sobre como o passado das pessoas pode perturbar a vida presente e para mim isso é bastante sombrio.
Folha - Consta que o senhor teve a idéia de fazer este filme e, quando foi pedir autorização à Columbia, descobriu que o livro já tinha sido filmado anteriormente em Hollywood (em 55, com Deborah Kerr e Van Johnson). É verdade?
Jordan - Sim. Fui correndo assistir à tal adaptação e foi uma decepção. Sei que Hollywood normalmente tem medo de extrair o melhor dos romances, mas o que fizeram com a obra de Greene em 1955 foi um absurdo.
Trata-se de uma tentativa de duas horas de não retratar o erotismo do livro. É uma tortura. Naquela época, era isso o que Hollywood entendia por arte. Não tinha nada a ver com o filme que eu queria fazer. Eu queria explorar sexo e amor como as grandes questões humanas.
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