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Cinema é de Julianne Moore como literatura, de Graham Greene

(publicado em 24/03/2000)

AMIR LABAKI
Da Equipe de Articulistas

Há motivos muito mais fortes para ver "Fim de Caso", a versão para o romance de Graham Greene dirigida por Neil Jordan, que a mera corrida ao Oscar.

Sim, as duas indicações foram mais que merecidas e destacam com precisão o que o filme tem de verdadeiramente espetacular: o desempenho de Julianne Moore e a direção de fotografia de Roger Pratt.

"Fim de Caso" volta a chamar atenção para um dos grandes dramas românticos da literatura do século 20, reeditado agora pela Record (R$ 12,15, 237 págs.). Publicado em 1951 por Graham Greene (1904-1991), é, de longe, seu mais marcante romance intimista. Sua leitura ainda hoje provoca vertigens ao nos conduzir pelos múltiplos ângulos de uma trágica e frenética história de adultério.

O feito literário supera em muito o encanto sensacionalista das raízes autobiográficas da narrativa (o caso de Greene com a americana Catherine Walston). O escritor Maurice Bendrix é o mais convincente alter ego criado por Greene, em sua insegurança arrogante, sua tímida coragem, seu humanismo misantropo, sua crédula descrença.

"Fim de Caso" disseca o triângulo amoroso envolvendo Bendrix, a burguesa entediada Sarah e seu marido funcionário público, Henry Miles. Tudo gira em torno da Londres escura e temerosa dos anos 40, dos tempos da Segunda Guerra aos primeiros anos da dura reconstrução.

Nos anos conturbados por bombardeios e destruições, Bendrix e Sarah encontram a paz vivendo uma fogosa história de amor. Nem por isso a amizade entre traidor e traído se desgasta ou o cotidiano se altera no lar dos Miles.

Greene frisa, em "Fim de Caso", como ninguém partilha uma história de amor, quanto menos seus diretos protagonistas. As razões e sobretudo desrazões de uma paixão são vividas de forma exclusiva e solitária. Um amor de sucesso se estabelece quando duas ilusões se complementam ou, no mínimo, correm em paralelo --e não quando, utopicamente, se identificam.

A explosão de uma bomba durante uma tarde de amor catalisa a separação. É difícil desenvolver mais suas consequências sem roubar o prazer ao leitor ou ao espectador.

Edward Dmytryk já levara "Fim de Caso" às telas em 1955, numa versão lembrada apenas pelos dicionários de filmes. Neil Jordan deu-se melhor, sintetizando com poucas liberdades a trama original, ainda que jamais consiga transpor plenamente para a tela toda a angústia das páginas de Greene.

Sua deslumbrante concepção visual para "Fim de Caso" homenageia outra clássica história britânica de adultério, o tocante "Desencanto", filmado em 1945 por David Lean. Ralph Fiennes empresta carne e osso à obsessão romântica de Bendrix, e Stephen Rea compõe um Henry tão palpável que parece definitivo.

Mas o filme decola rumo ao extraordinário nas rápidas aparições de Julianne Moore como Sarah. Ela é apolínea e dionisíaca, cativante e detestável, egoísta e generosa, céu e inferno numa mesma mulher. O cinema é dela, como a literatura era de Greene.

Avaliação: Bom (filme); Ótimo (livro)

Filme: Fim de Caso (The End of the Affair)
Direção: Neil Jordan
Produção: EUA, 1999
Com: Julianne Moore, Ralph Fiennes
Quando: a partir de hoje, nos cines Center Norte 1, Vitrine e circuito

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