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22. Dublinenses - Textos publicados na Folha
Filme conta relação de James Joyce e Nora
(publicado em 10/07/2000)
ALCINO LEITE NETO Do enviado especial à Irlanda
Desde a sua estréia, em maio, a sensação nos cinemas de Dublin é "Nora", filme dirigido pela irlandesa Ruth Barton.
É a história de Nora Barnacle, mulher do escritor James Joyce. Ou melhor: trata da relação apaixonada e turbulenta do casal, que se conheceu em 1904 e teve dois filhos. Se os tempos não fossem tão pós-feministas, o filme também poderia se chamar "James".
"Nora" foi baseado na longa biografia homônima escrita por Branda Maddox, até hoje um best seller no país.
O livro tirou definitivamente essa mulher notável da sombra de Joyce, um escritor sempre cercado de superlativos: é o irlandês mais célebre do século e o autor do principal romance moderno, "Ulisses", cuja ação se passa inteiramente em Dublin em apenas um dia --16 de junho de 1904.
O dia é comemorado no mundo inteiro, inclusive no Brasil, pelos fãs do escritor, e na Irlanda é uma espécie de data nacional. Por todo o país são realizadas festividades, leituras, palestras e bebedeiras em homenagem ao Bloomsday, o dia de Leopold Bloom, o personagem central do livro.
Curiosamente, data de um dia antes, de 15 de junho de 1904, a primeira carta remetida por Joyce a Nora, em que ele escreve: "Eu posso estar cego. Fitei por muito tempo uma cabeça coberta de cabelos castanho-avermelhados e decidi que não era a tua. Voltei para casa bem deprimido. Gostaria de marcar um encontro, mas talvez não te convenha. Espero que tenhas a bondade de marcar um comigo --se não te esqueceste de mim!" (trad. de Mary Pedrosa do livro "James Joyce -- Cartas a Nora Barnacle", Massao Ohono-Roswitha Kempf Editores).
As cartas, porém, não seguem esse ritmo convencional. Afinal, não poderia ser assim com Joyce. À medida que o tempo passa, vão ficando cada vez mais quentes e provocadoras e, ao cabo, formam uma das maiores correspondências eróticas já vindas à luz.
No filme, elas são lidas e repetidas sem pudores: "Sentia tuas nádegas gordas e suadas debaixo de meu ventre e via teu rosto em fogacho e teus olhos aloucados".
A diretora Ruth Barton não fecha os ouvidos à relação ardente do casal nem tampa os olhos. Ela não pensa duas vezes quando precisa despir os atores --seja a bela atriz Susan Lynch, que faz Nora, seja o escocês Ewan McGregor (de "Trainspotting" e "Guerra nas Estrelas --Episódio 1"), que faz Joyce e é co-produtor do filme.
A maior parte de "Nora" passa-se na Itália, onde o casal viveu e Joyce deu aulas de inglês. Mas é Dublin a cidade essencial para entender o escritor. Para os turistas literários, há várias agências na capital que promovem visitas aos locais onde se passa "Ulisses" e também os contos de "Dublinenses" e o romance "Retrato de um Artista Quando Jovem".
O passeio será certamente mais fascinante para os que leram os livros, mas pode servir de incentivo aos que pretendem enfrentar a obra complexa e fascinante de Joyce (1882-1941).
Taxado de pornográfico, "Ulisses" ficou proibido na Irlanda até 1960. Hoje, a Dublin do livro é uma espécie de cidade que se superpõe à Dublin real, como uma chave de interpretação de seus mistérios e suas características.
O Centro Cultural James Joyce e a James Joyce Tower --museu na torre Martello, onde se inicia "Ulisses"-- são outros locais de Dublin que homenageiam o escritor e valem a pena ser visitados.
(ALCINO LEITE NETO)
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