23. A Mulher Desiludida - Textos publicados na Folha

Livro abala reputação de Beauvoir

(publicado em 31/10/1994)

CÁSSIO STARLING CARLOS

Memórias de Bianca Lamblin, amante de Sartre e da escritora francesa, são lançadas no Brasil

A atração que o mundo intelectual exerce em um país como a França é equivalente àquela das estrelas de cinema nos Estados Unidos. Isso explica a curiosidade capaz de alimentar o lançamento de livros como as "Memórias de uma Moça Malcomportada'', de Bianca Lamblin.

Judia de origem polonesa, Bianca Lamblin, 73, partilhou da vida íntima de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir -talvez o casal mais célebre da intelectualidade francesa neste século- nos anos que antecederam a Segunda Guerra.

Com eles experimentou um perigoso triângulo amoroso, prática adotada com frequência pelo casal e que envolvia de preferência garotas adolescentes seduzidas pelo talento intelectual do Castor (apelido de Beauvoir).

Apesar de avessa a este tipo de aproximação, a autora reproduz o modelo de exposição da vida íntima presente, sobretudo, nos escritos de Beauvoir, mas conduz a conclusões opostas, tendentes ao moralismo. Sua adesão ao comportamento do casal provocou nela uma espécie de dependência física e intelectual, exato avesso da liberdade que Sartre e Beauvoir pregavam em seu discurso.

Quando se deu a ruptura do trio, em 1940, Lamblin teve que enfrentar simultaneamente o pesadelo do anti-semitismo na França ocupada pelos nazistas. Somente, em 1964, já casada com o filósofo Bernard Lamblin, Bianca se reaproximou de Sartre e do Castor.

Mas, em 1990, quatro anos depois da morte de Beauvoir, sua correspondência com Sartre e seu "Diário da Guerra'' despertaram o ressentimento de Bianca, com a revelação das mesquinharias do casal frente a suas amantes.

As memórias de madame Lamblin oferecem ao leitor aspectos pouco dignos das duas personalidades que marcaram sua vida. Seu acerto de contas macula a aura mítica que ainda envolve as obras de Beauvoir e de Sartre.

Talvez seja mesmo este o destino de todo mito.

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