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23. A Mulher Desiludida - Textos publicados na Folha

Simone de Beauvoir confessa sua paixão

(publicado em 07/03/1997)

MARCELO REZENDE
Da reportagem local

''Eu serei para sempre sua.'' A frase, de um romantismo banal, é hoje motivo de susto na França. Se as palavras são triviais, a mulher que as escreveu, a escritora Simone de Beauvoir, como mostram as centenas de cartas apaixonadas para o norte-americano Nelson Algren, agora publicadas, não.

Lançado na última semana pela editora Gallimard, ''Un Amour Transatlantique - Lettres à Nelson Algren, 1947-1964'' (Um Amor Transatlântico - Cartas a Nelson Algren) encerra dúvida e desconfiança de 50 anos.

O romancista Algren --apesar de ter negado até sua morte, em 1981, aos 72 anos-- teve um caso com a ''companheira de uma vida'' do filósofo Jean-Paul Sartre.

Esse é o dado aceitável, já que entre Sartre e Simone a infidelidade era quase um princípio. O espanto, para os franceses, é de outra ordem. O fato de que ela o amou.

Encontradas nos arquivos da universidade de Columbus, onde está parte dos documentos e manuscritos do autor de ''O Homem do Braço de Ouro'' (1949), a correspondência --escrita em inglês-- terminou nas mãos de uma herdeira da escritora.

Coube a Sylvie le Bon de Beauvoir selecionar, traduzir e, principalmente, convencer os curadores da obra de Algren de que a correspondência deveria ser publicada, já que ele preferia o silêncio.

Os Mandarins

A primeira vez que o caso surgiu publicamente foi por culpa de Beauvoir. Em 1954 ela lançou ''Os Mandarins'', romance que traça um painel da geração de intelectuais franceses de seu tempo.

Para cada figura de seu meio cria um pseudônimo e conta histórias que muitos reconhecem como fatos. Fala de um amante. Nelson Algren se torna então Lewis Brogan.

''O romance não reflete a nossa verdadeira história, pois isso não seria possível. Apenas tentei transpor alguma coisa, escrever uma história de amor entre um homem que se parece um pouco com você e uma mulher que me recorda um pouco'', escreve Beauvoir.

Mas Algren não aceitou bem essa lembrança, procurando se distanciar --para todos que o indagavam-- do enredo criado por ela.

O primeiro encontro entre os dois foi um acidente. Simone viajava pelos EUA nos anos 40 e, quando chegou a Chicago, teve por cicerone um romancista de fortes tendências marxistas.

Algren, filho de um maquinista, já havia se notabilizado por sua preocupação com os desajustados de seu país, em romances como ''Somebody in Boots'' (1935) ou ''Um Passeio pelo Lado Selvagem'' (1956), que acaba de ser lançado no Brasil (leia texto abaixo).

Simone se encantou com ele: ''Eu sinto muito sua falta, de suas mãos, seu corpo quente e forte, seu rosto, seu sorriso, sua voz; sinto terrivelmente sua falta'', conta.

No mesmo período em que escrevia ''O Segundo Sexo'' (1949), tratado sobre a necessidade da emancipação da mulher, confessava para Algren querer servi-lo ''como uma árabe''.

Com os anos, a distância de um oceano, além da privação, causa também o aumento do desejo, que é proporcional à certeza de que não poderão permanecer juntos.

Algren exige que ela retorne para os EUA, mas Simone diz que há compromissos demais: Sartre, o trabalho literário-filosófico e a luta política. Não necessariamente nessa ordem de importância.

Com a chegada da velhice --quando se conheceram ela tinha 39 anos e ele, 38--, o romance é assumidamente uma impossibilidade, mas ela sonha ainda em ''morrer um nos braços do outro''.

Simone de Beauvoir, na paixão por Algren, pôde --nas palavras da imprensa da França-- voltar a ser, apenas, uma mulher.

Livro: Un Amour Transatlantique
Autor: Simone de Beauvoir
Lançamento: Gallimard
Quanto: cerca de US$ 50 (614 págs.)
Onde encomendar: Livraria Francesa (r. Barão de Itapetininga, 275, tel. 011/231-4555)

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