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28. O Fio da Navalha
Romance inglês une folhetim e esoterismo
(publicado em 23/03/2002)
JOSÉ GERALDO COUTO colunista da Folha
O BRITÂNICO William Somerset Maugham (1874-1965) é um dos escritores de língua inglesa mais lidos em todo o mundo. Só perde para Shakespeare e Dickens. O romance "O Fio da Navalha" ("The Razor's Edge") está entre seus livros mais conhecidos, ao lado de "Servidão Humana" e "Histórias dos Mares do Sul".
Publicado pela primeira vez em 1945, foi adaptado duas vezes para o cinema (em 1946 e em 1984) e chega agora a sua 14ª edição brasileira, acrescida de um prefácio do escritor Fernando Monteiro.
Não é difícil entender o sucesso desse caudaloso romance, que encantou diversas gerações de leitores pelo mundo afora.
Em primeiro lugar, há o enredo sedutor: a história de um jovem burguês de Chicago, Larry Darnell, que, depois de lutar como aviador na Primeira Guerra Mundial, abandona sua classe social, sua noiva e seu país para sair em busca do auto-aperfeiçoamento e da iluminação espiritual.
Nessa procura, ele estuda filosofia em Paris, trabalha como mineiro de carvão na Alemanha, torna-se iogue na Índia etc.
Em segundo lugar, há o modo envolvente e agradável como Maugham narra essa trajetória.
Colocando-se como personagem da história para dar-lhe uma aura de veracidade, o escritor faz de conta que recompõe o destino de Larry a partir de informações a seu respeito que teria adquirido ao longo das décadas.
Algumas dessas informações teriam sido colhidas diretamente, em encontros ocasionais de Maugham com seu personagem. Outras teriam sido fornecidas por terceiros. Em ambos os casos, o escritor se permite amarrá-las como um narrador onisciente, pedindo para isso licença ao leitor.
Maugham considerava a si próprio "um bom escritor de segunda categoria". De fato, não é difícil perceber os limites de sua escrita, quando cotejada à dos grandes ficcionistas do século 20.
O principal desses limites é uma certa transparência da narração, uma manipulação meramente espacial do ponto de vista, sem as ambiguidades e segundas intenções que fazem a grandeza de um Henry James ou um Machado de Assis, para citar apenas dois escritores do século 19 mais modernos que Maugham.
Tudo o que se escreve em "O Fio da Navalha" é para ser tomado como verdade, como acontecia em Dickens ou Alexandre Dumas. Maugham é, antes de tudo, um escritor anacrônico.
Além disso, tem uma tendência à descrição prolixa, ao detalhe fútil, à conversa jogada fora. Não há tensão de linguagem a sustentar as mais de 400 páginas do romance: apenas fatos, ambientes, personagens. Com praticamente o mesmo entrecho, Borges poderia escrever um conto de poucas páginas. Mas não cabe pedir peras ao olmo, e sim aproveitar a beleza e a sombra que lhe são próprias.
A chave do sucesso de "O Fio da Navalha" talvez seja o fato de examinar uma experiência mística a partir do ponto de vista dos círculos elegantes de Paris e Londres. O que poderia haver de tédio ou tormento nessa busca é filtrado por lentes européias e apresentado confortavelmente quase como uma aventura exótica.
Há, no livro, o gosto das vagas buscas esotéricas modernas, o apelo dos romances de folhetim (o destino da personagem Sophie McDonnald é puro melodrama) e um tanto de colunismo social: os lugares chiques de Saint Germain, os melhores vinhos, os vestidos mais elegantes. Tudo isso tendo como pano de fundo a busca espiritual de Larry Darnell.
Pode ser antiquado, mas não há quem resista.
O Fio da Navalha
The Razor's Edge
Bom
Autor: W. Somerset Maugham
Tradutora: Lígia Junqueira Smith
Editora: Globo
Quanto: R$ 34 (418 págs.)
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