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29. Sargento Getúlio

Viva João Ubaldo e o povo de Itaparica

(publicado em 05/06/1994)

JORGE AMADO
Especial para a Folha

Na tribuna, de fardão - quem diria -, João Ubaldo Ribeiro pronuncia seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, faz o elogio mais que merecido de Castelinho, é recebido por Eduardo Portella: um, mestre do romance, o outro, mestre do ensaio literário, dois baianos de régua e compasso - cerimônia mais retada!

Na mão a vara de pesca, no ombro a carabina, pés descalços, bom de papo, de briga e de cachaça, o bravo povo da ilha de Itaparica, a Heróica, ou seja, o povo brasileiro, toma posse da cadeira 34 da nobre Academia. Por obra e graça do Exu da procriação, João Ubaldo, concebido na ilha quando da guerra com os holandeses, parido durante a guerra da Independência, romancista porreta, cidadão porreta, filho do jurista Manoel Ribeiro, um personagem, marido de Berenice, pai de Bentão, o gênio, e de Chica, a do balé, de Emília e Manoela, esta última minha afilhada de batismo, o compadre na tribuna de fardão, espada e colar, sob o sovaco o bicórnio napoleônico, um espanto, um esplendor!

Os nossos intelectuais, que no geral são uma desolação, falam cobras e lagartos da Academia, cospem na ourama do fardão, dá gosto de ouvir e ler tanto desprezo e desaforo. Também eu, que não faço parte dos meios intelectuais, mas que sou, há 33 anos, membro do egrégio sodalício (sic!), falo mal da Academia e, se não a desprezo também eu digo cobras e lagartos a seu respeito. Deve-se, porém, reconhecer e proclamar a verdade, e a verdade manda que se diga, e aqui eu vos digo, que João Ubaldo só foi eleito imortal (!) da Academia por ser o grande escritor que é, por nenhuma outra razão - aliás, o mesmo vem de acontecer com Antônio Callado.

É esse o fato positivo da campanha, tudo o mais foi negativo, pois candidato mais incompetente e trapalhão não me foi dado ver em meus 33 anos de acadêmico. Ótimo candidato por grande escritor contemporâneo, candidato péssimo por tímido e vaidoso - a vaidade dos tímidos, a pior de todas.

Nesses 33 anos conheci e tratei com candidatos ativos, capazes e competentes. O de melhor atuação por oportuno, persuasivo, insistente, ousado, impecável, presente sempre na hora certa, foi Marcos Vinícius Villaça, pernambucano sem hora de dormir, incansável, boca de mel no elogio e na adulação - chegou ao cúmulo de ler a obra completa de Austregésilo de Athayde, incluindo centenas de artigos esparsos na imprensa. Apesar da competência, acho que não seria eleito se não possuísse os títulos de cultura literária que o credenciam.

Alguns outros me surpreenderam, o bom exemplo a citar é o de meu compadre Dias Gomes. Quando o autor de "O Pagador de Promessas" se candidatou, fiquei inquieto. Grande dramaturgo, porém recatado cidadão, cheio de nós pelas costas, encabulado, arisco, decerto incompetente. Pois bem, meu compadre foi uma revelação: sem ceder uma polegada em suas posições e em seus princípios, a começar pela declarada militância comunista, tirou a eleição de letra por ser antes de tudo, é claro, um grande do teatro, o do palco e o da televisão. Incompetente mesmo, de incompetência total, foi João Ubaldo.

João concorreu contra candidato portador de títulos válidos e de apoios respeitáveis - pela terceira vez batia às portas da Academia. Bem votado nas tentativas anteriores, Álvaro Pacheco, poeta de qualidade, editor de livros de boa literatura (editou inclusive dois livros de João Ubaldo), senador da República, homem de posses: João Ubaldo, além de tudo, é pobre de marré marré. A candidatura de Álvaro possuía apoios ponderáveis, cabos eleitorais considerados decisivos e, de fato, o eram. Entre eles contava-se o presidente quase perpétuo Athayde, dono da Academia naquele então; a romancista ilustre, gloriosa, premiadíssima, detentora de numerosos votos acadêmicos, gaba-se de nunca haver perdido eleição na Academia; e o escritor José Sarney, excelente contista, ex-presidente da República, nem por discreto, menos influente.

Quando João telefonou para me contar que Afrânio Coutinho estava a lhe infernar a paciência, exigindo que ele se candidatasse, eu desaconselhei que o fizesse: "Serás derrotado, meu compadre, o Álvaro está eleito, ou quase". Temeroso, João aproveitou a deixa para tentar sair de baixo, mas, quem disse?, não deixaram. Acadêmicos, seus admiradores, constituíram-se em Comitê de Apoio para sustentar a candidatura do pai do Sargento Getúlio. Estavam no complô, salvo engano. Nélida Pinon, Venâncio Filho, o citado Afrânio, Dias Gomes, Cândido Mendes, Eduardo Portella. Este último telefonou para me dar informação conclusiva: mesmo antes de entrar em campanha, João já tinha 12 votos certos, "sem contar com o teu", declinou-me os nomes. Achei que um dos 12 era duvidoso, ainda assim sobravam 11, o meu voto completaria a dúzia. Diante do que, quando João, aflitíssimo, voltou a me falar "não me deixam dormir nem trabalhar", abandonei a cautelosa posição anterior, mandei-lhe de imediato a carta com os meus votos.

No discurso de recepção a Dias Gomes, em julho de 1991, ao citar o nome de João Ubaldo Ribeiro, fiz um parêntese para dizer: "... espero viver tempo suficiente para recebê-lo e saudá-lo desta mesma tribuna em sua inevitável posse na Academia Brasileira de Letras".

Assim sendo, avisei a Álvaro Pacheco, como era de minha obrigação, que não contasse com o meu voto, e parti para a briga de eleição. Eu a vivi na Europa, para onde viajara logo após João ter se inscrito candidato.

Durante mais de três meses, João Ubaldo e eu trocamos faxes diários, três ou quatro no mesmo dia, além de cotidianas telefonemas internacionais, longos, pagos em dólar. Poucas vezes em minha vida me diverti tanto: restabelecia-me de um enfarte, não estava escrevendo, chateava-me, a campanha de João impediu que eu caísse em depressão, encheu-me o tempo - o meu e o de Zélia: tirante Berenice, a doce e combativa esposa, Dona Zélia foi a torcedora mais irredutível de Ubaldo. Nos momentos de pessimismo atroz, no pior deles, quando Paloma sucumbiu e eu me afobei, Zélia manteve alta a bandeira da vitória, nem por um instante vacilou.

Incompentente candidato, afirmei e provo. Telefonava-me alarmado: "Pedi a Barbosa Lima que marcasse a visita, até hoje não me deu retorno". Quis saber mais: "Falaste com ele pessoalmente, João?" Desmascarado, confessou: "Não falei com ele, mas deixei recado na secretária eletrônica, não obtive resposta, não telefono mais, sou orgulhoso". Eu me retava: "Mete teu orgulho no rabo, telefona de novo." Dias depois eu cobrava: "Telefonaste ao Barbosa Lima?", respondia encabulado: "Ainda não, fico sem jeito." Resultado: tive eu que ligar de Paris para Barbosa Lima pedindo que marcasse lugar e hora para a visita de João. Entre os muitos incidentes engraçados, vale a pena contar dois ou três, característicos das campanhas eleitorais da Academia. Começo pelo caso do tênis, um embeleco dos diabos, deu trabalho esclarecer o mal-entendido. A história começou em Lisboa, nos inícios da disputa pela vaga de Castelinho. Ali encontrei (em circunstâncias igualmente cômicas) o acadêmico João Scatimburgo, conversamos cordialmente no hall do Hotel Tivoli. No correr da conversa confidenciou-me que ia votar em João Ubaldo. Alegrei-me, comuniquei a notícia auspiciosa a João, recomendei que ele telefonasse a Scatimburgo assim que o acadêmico retornasse a São Paulo.

Você telefonou? Muito menos João. Para que telefonar se já sabia contar com o voto ilustre do paulista? Pressionei sem resultado, Ubaldo prometia fazê-lo, adiava, não fazia. Nesse meio tempo, ocorreu a eleição de Roberto Marinho, seguida de recepção em casa do nóvel imortal, uma senhora recepção, de alto coturno, como não poderia deixar de ser. Nos salões do diretor de "O Globo", os dois Joãos se encontraram. O popular Ubaldo e o aristocrático Scatimburgo cumprimentaram-se, trocaram amabilidades - João Ubaldo me mandou um fax exultante. Alegria de pobre dura pouco. Logo eu soube, por vias travessas, (leia-se Lygia Fagundes Telles), que o bom Scatimburgo guardara péssima impressão do romancista por tê-lo encontrado envergando par de tênis surrado e sujo, quem sabe malcheiroso, na recepção de Roberto Marinho!

Votar em indivíduo capaz de tal indignidade, jamais. Alarmado faxiei João Ubaldo: "Por que o tênis imundo?" Ele negou o fato. Quem estava de tênis era o cineasta - como é mesmo o nome dele? - que, ao saber da boca-livre, convidara-se e se refestelara. "Eu que gastei um dinheirão num par de sapatos de cromo alemão para usar na festa", queixou-se revoltado. Até que tudo se esclarecesse e que João Ubaldo voltasse a ter o voto de João Scatimburgo, durou tempo e agonia. A duras penas consegui que o candidato ligasse para o acadêmico e esclarecesse o equívoco, explicasse o engano da pessoa. Scatimburgo recuou o veto, mas não deixou de lastimar as relações mantidas por Ubaldo: amigo de indivíduo capaz de ir de tênis à recepção em casa de Roberto Marinho - onde já se viu?

Houve o caso da irmã de Paulo Maluf. João faxiara exaltado: "Eu soube que existe uma irmã de Maluf, de nome Zélia, tem o mesmo nome da comadre, igual a ela é minha leitora apaixonada, está trabalhando para mim o voto do Miguel Reale. Sabes quem é? Manda me dizer." Irmã de Maluf de nome Zélia. Foi um alvoroço, quem seria? Após buscas e pesquisas, foi a minha Zélia quem terminou por descobrir. A irmã do político paulista não se chamava Zélia e sim Neli, viúva de Ricardo Jafet, nossa velha conhecida, culta e simpática. Além de empolgante, foi alegre.

Mais intrincado, menos alegre, ecológico, foi o assunto do índios. Acontece que João Ubaldo publicou artigo sob o título de "Índio Quer Apito". Artigo exemplar, o que de melhor já se escreveu sobre o tema dos índios brasileiros. Transmiti por fax meu entusiasmo de leitor ao compadre.

Respondeu-me deprimido, transcrevendo declaração peremptória de Darcy Ribeiro, charmoso cacique dos índios Brizolis na selva de cimento de Ipanema. João insultara os silvícolas, não teria o voto de Darcy. Amigos comuns tentaram demover o escritor, educador e antropólogo, todos os três de renome internacional; eu próprio enviei-lhe um fax, a contragosto, pressionado pelo Comitê de Apoio, não obtive retorno. Darcy manteve-se murubixaba intransigente, votou no adversário.

Nada se compara, no entanto, à visita efetuada pelo candidato João Ubaldo ao acadêmico dom Marcos Barbosa. Eu já lhe dissera que, por ser esquerdista e libidinoso, não contasse com o voto do monge reacionário casto. Ele, porém, não me levou a sério, pois alguém lhe informara que o abade era leitor e admirador de seus romances. A ingenuidade dos vaidosos o levou em acreditar em milagre.

Voltou da visita uma fera, indignado, insultado, coberto de lama por dom Marcos que lhe dissera nas tampas que jamais votaria em escritor tão ruim e degradado, agente de Satã, comunista medonho e por aí afora. Tampouco votaria em Álvaro Pacheco, não via com bons olhos sua poesia, criticava-lhe as edições heréticas. Votaria em branco para ficar em paz com sua consciência, com a Igreja, o Menino Jesus e a Virgem Maria. João espumava nas linhas do fax, rugia ao telefone. Não adiantou lhe dizer que pesados prós e contras, se ele perdia um voto, também o perdia Pacheco. João, porém, não se conformava, estava ofendido até o fundo da alma, até agora não entendo porquê. Espero que a crise já tenha passado e que João não negue a mão ao monge quando encontrar nosso colega na sala de reuniões - a Academia é convivência, será?

Relato quatro incidentes, poderia relatar pelo menos vinte. A campanha foi repleta de ocorrências contraditórias, de altos e baixos, indo do maior otimismo ao mais negro pessimismo. Falando em pessimismo, não quero esquecer os telefonemas de Brasília, de Napoleão Sabóia primeiro, depois de Paloma, ambos derrotistas. A voz de Napoleão ao telefone interncontinental soava macabra, funérea, ao relacionar notícias sombrias, negativas. Acabara de estar com o candidato Pacheco, que lhe dera a ler lista com os nomes de 22 acadêmicos comprometidos com sua candidatura. Concluíra a informação com satânica gargalhada: "Ubaldo vai ter surpresas bem desagradáveis, está contando com ovo em cu de galinha, eu sou realista, os 22 da lista são de pedra e cal". Napô sentiu um arrepio, saiu correndo em busca de telefone para falar comigo.

"Você recorda os nomes da lista?", perguntei. Napô recordava alguns, não se lembrava de outros, espremeu a memória, lembrou que entre eles estava o de João Cabral. Ao ouví-lo respirei aliviado: "Essa lista é fajuta, Napô, não falei com João Cabral, mas garanto que ele votará em João Ubaldo". Ainda assim fiquei preocupado, alguns dos nomes citados em dólares na demorada telefonema - de que telefone estaria Napô telefonando? - eram de indivíduos bem capazes de prometer e não cumprir.

Minha preocupação aumentou com telefonema de Paloma. Foi mais concisa, pois telefonava do hotel em que estava hospedada, pagava a conta, mais concisa e muito mais alarmante. Almoçara em casa de Sarney e tetemunhara a operação que levou ao bolso do candidato Pacheco a carta com os votos antes destinados ao candidato Ubaldo. Confirmou a lista dos 22 nomes, o de João Cabral não estava na relação, Napô se enganara. Paloma considerava a lista realmente assustadora e eu entrei em pânico: conheço de sobra os senhores acadêmicos, são de fácil promessa e de voto duvidoso. Paloma só faltara chorar ao telefone, considerou a eleição perdida, eu próprio vi a coisa preta. Apenas Zélia conservou-se de cabeça fria e moral elevada. "Tudo isso não passa de papo furado, Álvaro está fazendo guerra de nervos."

Eu fazia, refazia listas, e as enviava por fax a João. Não conseguia somar mais de 17 votos para ele, faltavam dois para os dezenove necessários. Em compensação, não conseguia mais de 13 para o adversário. Oscilávamos da vitória esplêndida à derrota acabrunhante: eleição adêmica é fogo, inscreva-se candidato se quiser saber. Havíamos combinado publicar, em caso de derrota, um livro contendo os faxes dele e meus, de Zélia e de Venâncio, também Venâncio faxiou bastante. João foi eleito, o projeto do livro ficou esquecido, quem sabe um dia o retomaremos?

Tenho lido em entrevistas e artigos publicados nos jornais que João Ubaldo deve a eleição, em parte, ao meu esforço de cabo eleitoral. Aproveito para desmentir o boato. Não pedi um único voto para João Ubaldo - nunca peço votos para quem quer que seja, pois respeito e prezo meus confrades de Academia. Telefonei a uns poucos acadêmicos, além de Portella, de Venâncio, o incansável Venâncio, esse sim, cabo eleitoral da maior eficiência, de Dias Gomes, com os membros do Comitê de Apoio conversei várias vezes nos balanços da campanha.

Fora disso, falei para Ivo Pitanguy, pedindo que recebesse a visita de João. Disse que o receberia com prazer, guardou silêncio sobre o voto. Já Carlos Chagas revelou-se eleitor entusiasta do romancista: "Ele é meu candidato não só porque eu o admiro muito, mas também porque, se não votasse nele, minha família me expulsaria de casa." Já contei a conversa com Barbosa Lima. Com Josué Montello, voto certo de João Ubaldo, conversei mais de uma vez. Perguntei a Marcos Vinícius Villaça em quem ia votar: "Votarei em João Ubaldo a não ser que Sarney me peça para votar em Álvaro. Não posso negar nada a José, você sabe". José pediu, Villaça, homem correto e grato, não podia negar, entregou-lhe o voto.

Falei com Ariano Suassuna, o caso vale parágrafo à parte. Ao ser eleito para a Academia, Ariano declarou de público que só votaria em escritor, em escritor de qualidade, e assim tem feito - sendo estrito, em geral não vota. Quando Dias Gomes se inscreveu, telefonei para a casa de Ariano em Recife, falamos Academia, referi-me à sua posição, somos velhos amigos, perguntei se ele considerava o dramaturgo Gomes escritor digno de seu voto, "Com certeza, me respondeu. Ele é ótimo, vou votar pela primeira vez desde que fui eleito."

Repetiu a declaração a Dias Gomes, mas na hora da eleição o voto de Ariano não apareceu.

Por isso relutei em falar com Ariano sobre João Ubaldo: havia afirmado, não cumprira. O Comitê apertou-me o crânio, terminei por telefonar, voltamos a falar Academia. Perguntei o que pensava da literatura de João Ubaldo, desmanchou-se em elogios: "Votarei nele, etcétera e tal." Recordei que ele prometera votar em Dias Gomes e não votara. "É que sou esquecido, Jorge, é preciso que me recordem para que eu mande a carta. Só me lembrei dos votos para o Dias Gomes quando soube que tinha havido a eleição, tarde demais, fiquei chateado."

Vinte dias antes da eleição, escrevi ao mestre de "A Santa e a Porca" recordando a conversa. Também João mandou-lhe carta, o tempo se passava, a data da eleição se aproximava, nada de voto, comecei a ficar apreensivo. Telefonei para Paulo Loureiro, o velho bolchevique, amigo do peito meu e de Suassuna, pedi-lhe que fosse à casa do romancista de "A Pedra do Reino" em missão punitiva. Admirador de João, lá se foi Paulo. Encontrou Ariano de cama, gripado, Zélia, a Zélia de Ariano, serviu-lhe sorvete de graviola e lhe contou que na véspera colocara no correio os votos do marido para João Ubaldo.

Foi tudo o quanto fiz, ou quase tudo. Não vou falar de votos prometidos sem que eu os pedisse, vários, promessas vãs. A propósito de um deles, Eduardo Portella comentou comigo ao telefone: "Não cabe crítica, pois com o voto acadêmico nosso amigo sustenta família numerosa."Eleição acadêmica, puta merda!, como dizia a doméstica Marinalva a respeito da mãe da patroa, dona Sarah.

Carybé e Nancy, Zélia e eu estávamos no Estoril, em Portugal, a 7 de outubro de 1993, dia da eleição. Fomos jantar em restaurante de sublime cozinha portuguesa, propriedade de galegos, com nome inglês: "English Bar", por que, vá-se lá saber. Mesa risonha, mas inquieta: Zélia, eu, Carybé e Nancy, e mais José Carlos Vasconcelos, Nuno Lima de Carvalho e Fernando Assis Pacheco, lusitanos fraternos de João. Fortalecemos o ânimo com a bacalhoada, o queijo da serra e o vinho Esporão. Recolhemo-nos depois para a vigília no Hotel Atlântico. A primeira notícia da vitória chegou numa telefonema de Venâncio Filho, falava da Academia, a eleição viera a terminar. Depois telefonaram Paloma, Eduardo Portella, Antônio Carlos Magalhães, feliz anunciou a oferta do fardão pelo Governo do Estado da Bahia. Por fim, João Ubaldo ligou da editora Nova Fronteira, onde comemorava bebericando uísque. Nós, no Hotel Atlântico, preferimos beber champanhe francesa, Cristal, a incomparável. Zélia abusou um pouco, tão contente estava. Mandei um derradeiro fax para João: "Viva o povo brasileiro, nos divertimos à grande, meu compadre, valeu a pena". Assim foi. Trocamos mais de 300 faxes, repito; a quanto somaram as contas do telefone, não quero recordar, amigo é para isso, não é mesmo? Para isso e tudo o mais.

Para tudo o mais? Em março João me telefonou, ia marcar a data da posse. Convidou-me para recebê-lo. Recusei:

- Desculpa-me, meu compadre. Não serei eu a te receber.

Dei-lhe as mesmas razões que já dera a Dias Gomes quando o outro compadre me convocou: "Não sou crítico literário, não faria o estudo que a tua obra merece e exige." Dias Gomes não aceitou a razão exposta, revidou com os ritos da amizade, cedi, fiz o discurso. Também João não aceitou, na Bahia a amizade impõe obrigações, mas desta vez mantive-me firme: "Queres que eu morra, João?" Em verdade, prevendo o convite, consultara meu médico, o cardiologista Jadelson Andrade (qualquer problema no coração, telefonem para ele na Clínica Santa Paula: competência e dedicação asseguradas). Subiu a serra:

- Receber João Ubaldo? Fazer discurso na cerimônia de posse na Academia? Está maluco?! Se quer morrer, mude de médico. Eu lhe proibi o sal e a emoção. A proibição vai durar o resto da vida.

João Ubaldo será recebido por Eduardo Portella. Terá o estudo sério e profundo que sua obra reclama. Juntos, na tribuna, meu compadre João Ubaldo e o príncipe Eduardo, duas pessoas das mais caras ao meu coração: sendo recebido por Eduardo, é como se eu te recebesse, meu João.

Que a festa seja linda, é o que desejamos Zélia e eu, teus cabos eleitorais. Um beijo para Berenice, santa e heroína, axé para a família toda. Se puderes, manda-nos um retrato teu, de fardão.

JORGE AMADO é escritor, membro da Academia Brasileira de Letras. Acaba de lançar "A Descoberta da América pelos Turcos"

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