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29. Sargento Getúlio
Ubaldo, finalmente, solta novo romance
(publicado em 22/11/1997)
BERNARDO CARVALHO especial para a Folha
Escritor brasileiro consagrado com livros como "Viva o Povo Brasileiro" e "Sargento Getúlio", João Ubaldo Ribeiro penou para terminar o seu novo romance, "O Feitiço da Ilha do Pavão", a história de uma ilha imaginária na costa da Bahia do século 18.
Teve de interromper e recomeçar tudo do início umas duas ou três vezes. Largou o livro para ir à Copa do Mundo de 94, nos Estados Unidos. Voltou e foi internado com problemas cardíacos. O encanamento da sala em que ele trabalha estourou etc.
"Quando você inicia um livro e larga, ele desanda", diz.
Em "O Feitiço da Ilha do Pavão" há índios produtores e consumidores de cachaça, autoridades corruptas, belas negras, inquisidores hipócritas, um quilombo e muito sexo numa fantasia tropical, que representa um microcosmo evidente de uma certa imagem de Brasil, tanto pela tipificação caricatural dos personagens como das situações.
Leia a seguir trechos da entrevista que João Ubaldo Ribeiro concedeu à Folha, sobre o novo livro.
Folha - Que relação você vê entre esse livro e os precedentes?
João Ubaldo Ribeiro - É impossível responder. A única vinculação que eu realmente faço é o fato de eu ter escrito todos eles. Os meus livros vêm espontaneamente. Não tenho um plano de obra. Talvez as pessoas vejam alguma semelhança com "Viva o Povo Brasileiro", que também tem uma dimensão histórica.
Folha - Você tinha em mente um público juvenil?
Ribeiro - Tenho dois livros para jovens. Nesse, pensei só em fazer um livro divertido.
Folha - Você pensou em figuras reais da política brasileira ao criar os personagens?
Ribeiro - Pensei em caracterizar certos aspectos da vida nacional. Não tinha ninguém como modelo.
Folha - Recentemente você fez o roteiro do filme "Tieta" (dirigido por Cacá Diegues). Existe alguma coisa em comum entre o seu trabalho de roteirista, nesse filme específico, e o de romancista?
Ribeiro - Não. Só faço meus roteiros obrigados por meus amigos cineastas, na companhia deles. Não gosto de fazer roteiro.
Folha - Quando você escreve um romance, você pensa, como um roteirista, em pôr um pouco de ação a certa altura, um pouco de humor aqui, um pouco de sexo ali etc.?
Ribeiro - Não. Isso aparece naturalmente. Sou um escritor muito espontâneo. Não tomo notas. Vou escrevendo.
Folha - É curioso que nesse livro você introduz um lado esotérico, mágico, com uma "esfera do tempo" no final. De onde vem isso?
Ribeiro - Vem de uma especulação já conhecida de cosmólogos sobre a possibilidade de uma viagem no tempo. Isso tem alguns fundamentos científicos. Como eu não escrevo ficção científica nem sou cientista, não me senti obrigado a me restringir às limitações e normas que existem para que isso aconteça.
Folha - Só que, do jeito que você tratou o assunto, o que sobressai é o lado mágico, esotérico e isso não havia na sua obra precedente.
Ribeiro - Em "Viva o Povo Brasileiro" eu falo muito nas alminhas, nas almas encarnadas.
Folha - No caso das almas, é quase uma questão da cultura. Não é um fato real dentro da narrativa. Faz parte de um discurso da cultura brasileira, há um distanciamento. Aqui, a mágica acontece dentro da própria narrativa, tem uma realidade, ela modifica a narrativa. É como se você acreditasse nela como algo real.
Ribeiro - Na verdade, essa esfera é chamada por um cientista americano de "wormhole" (buraco de verme). É uma complicação. Seria uma dobra na curvatura espaço-tempo, que permitiria a você atravessar o tempo. Como eu quis dar uma verossimilhança ao fato de a ilha aparecer e desaparecer, recorri a isso.
Folha - Esse feitiço é a salvação da ilha, que serve como uma espécie de microcosmo do Brasil. Analogicamente, isso quer dizer que uma dimensão esotérica seria a salvação da literatura brasileira?
Ribeiro - Não. Não. Só pus aquilo como um adicional de verossimilhança.
Folha - Você acha que existe um tipo de romance que possa ser definido como brasileiro? Você acha que todo escritor está preso à imagem do seu próprio país, que não há como quebrar essa regra?
Ribeiro - Ela é quebrada o tempo todo. Temos uma literatura muito diversificada, urbana, regional, fantasiosa e até feminina, no mau sentido da palavra, porque não acredito em literatura feminina, mas em literatura pura e simples.
Folha - Você não acha que seja preciso se submeter ao pitoresco para fazer literatura brasileira?
Ribeiro - Não, de jeito nenhum. Eu escrevo sobre Bahia e essas coisas todas porque sou baiano. Não vou escrever sobre Paris.
Folha - Para que serve a literatura num país como o Brasil hoje?
Ribeiro - A literatura é parte da expressão de um povo. Querer saber para que serve a literatura é uma indagação quase autodepreciativa.
Bernardo Carvalho é escritor, autor, entre outros, de "Os Bêbados e os Sonâmbulos" (Cia. das Letras)
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