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11. O Velho e o Mar - Textos publicados na Folha

Não houvesse se caçado, Hemingway faria 100

(publicado em 21/07/1999)

CASSIANO ELEK MACHADO
da Reportagem Local

Em 2 de julho de 1961, Ernest Hemingway apontou uma carabina de dois canos em direção ao seu próprio pescoço e, caçador experiente, não errou o disparo. Não houvesse caçado a si mesmo, o escritor norte-americano completaria hoje 100 anos.

Na realidade, Hemingway dificilmente chegaria, como a maior parte dos humanos, a visualizar seu bolo de aniversário coberto por uma centena de velas.

Paradoxalmente, talvez tenha ficado mais vivo ao explodir sua própria cabeça. Seguia assim a trilha que espalhava discretamente em livros como "O Velho e o Mar", a luta dramática de um velho pescador (como Hemingway) contra um grande peixe (a vida).

A lendária pescaria, com a qual Hemingway fisgou o Prêmio Nobel de Literatura, em 1954, volta a ser lembrada hoje. Tido como o autor de língua inglesa mais traduzido depois de Agatha Christie, o autor ganha festejos em diversos locais em que o Sol se levanta.

Eles acontecem em Pamplona (Espanha), nas ruas, em Gotemburgo (Suécia), no museu Hemingway local, em Hamburgo (Alemanha), no Havana Bar.

A maior das maratonas hemingwayanas já está acontecendo. Ela se desenrola em Key West, na Flórida (EUA), onde "Papa" morou entre 1928 e 1939.

Lá acontece o Festival Hemingway, um dos "festivais hemingways" por volta do globo. Nele, existem desde concursos de contos e de rimas obscenas até de pesca de peixe-espada.

Entre outras coisas, o festival inclui uma competição para escolher o homem mais parecido com o escritor na região, claro que com o "physique du rôle" final de Hemingway: cintura larga, barba grisalha e roupa caçadora.

É assim que o escritor se vestia quando entrou no cerne do Quênia para uma caçada que agora chega aos olhos de todos. É em torno dela, mais ainda do que ao redor dos diversos festivais, que andam as conversas atuais sobre o autor de "Adeus às Armas".

No mês passado, chegou às livrarias norte-americanas o volume "True at First Light" (editora Scribner, US$ 26 ).

Editado por Patrick Hemingway, 71, um dos filhos do escritor, o livro é tido como o último dos muitos romances póstumos de Ernest. Hemingway, filho, cavocou a história a partir de um calhamaço sem título com cerca de 800 páginas. Com mais de 200 mil palavras, Hemingway, pai, narrava experiências que teve durante um safári em 1953, do qual participavam o pequeno Patrick e a quarta mulher do escritor, Mary.

As caçadas no Quênia só começaram a chegar a um formato literário no ano seguinte, quando "Papa" morava no seu célebre refúgio cubano chamado de Finca Vigia, a 15 km de Havana.

Em 1956, Hemingway deixou seu rancho cubano, hoje transformado no museu Hemingway. Para trás, ficou também o polimento do trabalho recém-publicado.

Desse modo, as histórias embaladas nas 320 páginas de "True at First Light" não vêm sendo poupadas de chifradas tão violentas quanto as que Hemingway observava em suas célebres idas às touradas na Espanha.

Natural, já que o escritor cravou suas marcas mais fundas na literatura graças ao aspecto bem-finalizado de suas frases curtas, claras e de poucos adjetivos.

Com muitos adjetivos, as centenas de resenhas sobre "True at First Light" também seguiram um padrão comum. Ressaltando as prováveis características autobiográficas do livro, especularam, por exemplo, sobre a veracidade de um casamento que Hemingway teria tido com uma africana enquanto viajava com a mulher.

A vida do escritor, mais uma vez, se justapõe à sua obra. E a obra cada vez mais tenta ficar mais extensa que sua vida.

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