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11. O Velho e o Mar - Textos publicados na Folha

Conto de pescador

(publicado em 05/05/2001)

BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA

A pesca não é só um tema frequente nos textos de Ernest Hemingway (1899-1961), que no seu tempo, além de escritor e caçador, também foi adepto desse esporte da paciência. Nos seus contos, a pesca não é apenas representação da vida masculina e aventureira, da inserção viril do homem na natureza, que o autor tanto prezava e com que procurou ser identificado publicamente. Ela é a metáfora que os define.

A pesca depende de um grau de suposição por parte do pescador que os contos de Hemingway também exigem do leitor. É preciso acreditar que, no fundo, algo esteja acontecendo por trás da aparente inação, a despeito da placidez da superfície: "A sensação de vida na ponta da linha".

Para que o leitor não desanime, como faria um pescador inexperiente, o autor deixa sinais --na ambiguidade dos motivos que levam um homem a carregar uma espingarda em casa depois de um desentendimento com outro, por exemplo-- de que tudo está sempre por um fio.

A idéia é que a violência contida e a tensão subjacente sejam intuídas pela descrição sucessiva das cenas ou pela sincronia de acontecimentos díspares. O texto não deve julgar, mas propor ao leitor observar a ação e senti-la com base na descrição dos fatos, como o pescador que não vê o peixe, mas o sente pela fisgada.

A técnica fez de Hemingway um dos precursores em seu país de uma tradição realista que terminou por se desenvolver e impor como estilo hegemônico, como modelo e parâmetro de qualidade para a prosa de ficção que se ensina hoje em boa parte das escolas de criação literária nos Estados Unidos. A ausência dos juízos de valor do narrador e de uma moral aparente se tornou um modelo de elegância e bom gosto para a prosa contemporânea.

Buscar a manifestação dos sentimentos mais intensos na banalidade das aparências e do cotidiano foi o que contistas como John Cheever e Raymond Carver acabaram levando à perfeição. E Hemingway parece ter tido seu papel na formação dessa escola. Embora seus contos, ao contrário dos de Cheever e Carver, ainda precisassem manifestar a defesa desse ponto de vista, como na metáfora um tanto evidente da pesca. Eles ainda tinham qualquer coisa de manifesto.

Em "Um Dia Esperando", por exemplo, o escritor conta a história de um menino com febre alta, que acha que vai morrer: "O dia inteiro ele esperou morrer, desde as nove da manhã (...) e no dia seguinte ele estava descontraído e chorava fácil com coisas pequeninas que não tinham a menor importância". É a expressão do lado heróico do autor: a sensibilidade para as coisas banais vem da proximidade da morte.

Nesse sentido, a sincronia de acontecimentos que os personagens desconhecem é por vezes fundamental, porque evidencia para o leitor a imponderabilidade da morte e o seu desconhecimento por parte dos que serão atingidos: "Fechou os olhos e, em vez do homem de barba que olhava para ele pela mira do fuzil, com toda a calma antes de puxar o gatilho, (...) ele viu uma casa amarela, comprida, com estábulo baixo e o rio muito mais baixo do que era e mais parado".

Também é comum nesses contos a contraposição de duas imagens ou reações totalmente opostas em relação às mesmas coisas, como as mulheres que se recusam a largar o corpo dos filhos mortos na guerra, enquanto as prostitutas jogam os bebês indesejados no cais do porto. O escritor trabalha com a tensão da defasagem, de modo que os efeitos dramáticos já não precisam vir de suas opiniões, mas das simples descrições ou confrontos de acontecimentos. Se há moral, ela está embutida.

Ao deixar o extraordinário passar despercebido no meio de banalidades, o texto tenta mostrar que as coisas podem não ser tão banais quanto parecem. E destaca o surpreendente por dissimulação, narrando-o como se fosse insignificante.

Muitas vezes, porém, a insignificância é tanta que se torna desconcertante. Pois fica difícil saber se o extraordinário desses textos se perdeu ou se nunca existiu; se, com os anos, a técnica foi de tal forma incorporada por outros autores a ponto de se transformar em lugar-comum ou se desde o início o que houve foi apenas uma valorização excessiva do que na época parecia inovador.

Contos de Hemingway - Volume 1
Bom
Autor: Ernest Hemingway
Tradutor: José J. Veiga
Editora: Bertrand Brasil
Preço: R$ 27 (205 págs.)

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"Sargento Getúlio"
Lançado: 21/12


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