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30. Quase Memória

"Já escrevi meu principal livro", diz Cony

(publicado em 14/03/1997)

especial para a Folha

"Já escrevi meu principal livro", diz Carlos Heitor Cony, referindo-se a "Pilatos", romance publicado em 1974. Uma obra agressiva, quase escatológica, que traduz, segundo ele, melhor do que qualquer outra, a sua "visão do mundo". Depois dela, o escritor entrou numa longa crise com a ficção, que durou 21 anos.

"Pilatos" será relançado pela Companhia das Letras, provavelmente no próximo ano. A editora pretende reeditar toda a obra ficional de Cony, que já soma 13 romances, numa média de dois títulos por ano.

Na entrevista a seguir, Cony fala de seus livros e do ambiente intelectual acanhado de hoje, que, segundo ele, contrasta em tudo com as ilusões vulcânicas da época em que escreveu "Pessach: a Travessia" (1967).

(FERNANDO DE BARROS E SILVA)

Folha - Seu romance "Pessach" recolhe e reflete o ambiente político dos anos 60. A figura do intelectual dividido, dilacerado pontua o livro. Hoje o engajamento político dos intelectuais se tornou corriqueiro, mas também inócuo. Não há mais missões históricas, desafios existenciais. As coisas mudaram para pior?

Carlos Heitor Cony - O eixo da inteligência se deslocou. Nos anos 60 a predominância da política era total. Hoje a predominância é econômica. O fato econômico é que gera o político. Já estou cansado de entrar nessa. Não me engajei naquela época, não vou me engajar agora. Nesse particular todo o drama narrado no "Pessach" talvez seja antigo.

Folha - Mas o livro pode funcionar para evidenciar o contraste entre as duas épocas.

Cony - Isso pode. Há mesmo um grande contraste. Fernando Henrique nesse ponto é emblemático. Quando ele percebeu que o eixo político havia ido para o buraco, ele mudou junto. Aderiu ao neoliberalismo sem problemas. Agora fica acusando que não quer ir junto de turma da "fracassomania". Essa expressão quem usou foi o Goebells (ministro da Cultura de Hitler, durante o nazismo), lá por 1936, 1937.

Folha - "Pessach" foi considerado por várias pessoas um marco na sua obra. Mas parece que seu livro preferido é "Pilatos", de 74.

Cony - Houve imediatismo em relação a "Pessach". Não é um divisor da minha obra. O Jorge Amado falou que "Informação ao Crucificado", de 61, era esse divisor. Não era nada. Se há algum divisor, é "Pilatos", depois do qual eu passei 21 anos sem nenhuma necessidade de escrever. "Pilatos" é o livro que melhor traduz minha visão de mundo. Tem um pouco de Rabelais lá. Mas sou eu que estou inteiro no livro. As limitações do livro são as minhas limitações.

Folha - E o novo romance, "A Casa do Poeta Trágico", que deve sair em outubro?

Cony - É um livro denso, estou com muita dificuldade de fazê-lo. Isso nunca me aconteceu. Talvez eu precisasse de mais 70 anos para ter maturidade necessária para realizar essa tarefa.

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