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30. Quase Memória

Falta do indicador inspira livro de Cony

(publicado em 08/08/2001)

MARCELO RUBENS PAIVA
articulista da Folha

Carlos Heitor Cony é o primeiro a publicar na coleção temática da editora Objetiva "Cinco Dedos de Prosa", em que mais quatro escritores escreverão inspirados num dedo da mão: Fernanda Young (dedo médio), Mário Prata (dedo mindinho), Manoel Carlos (dedo anular) e Luis Fernando Verissimo (polegar).

"O Indigitado" é o nome de seu novo romance. O indicador é o dedo que ilustra a trama. Ou melhor, é a falta dele.

"Dois garotos são trocados. Tempos depois, a mãe de um deles resolve contar a verdade, que ele não é seu filho, que existe um outro, educado por ciganos, que não tem o dedo indicador. Então ele passa a procurar o outro com essa indicação", explica.

Cony já tinha a história pairando ao redor, quando foi o último autor a ser convidado por Isa Pessôa, diretora editorial da Objetiva, a participar da coleção.

A idéia baseia-se numa crônica publicada na Ilustrada, em que Cony afirmava que havia sido trocado por ciganos.

Era uma ficção que repercutiu e atordoou muitos leitores que pensaram ser verdade.

"Hoje em dia, não se vêem ciganos nas cidades como antigamente. Os pais sempre nos alertavam do perigo de sermos roubados por eles. Era um mito. Os ciganos estavam na nossa cabeça desde cedo. Então resolvi escrever um romance sobre duas crianças trocadas."

Cony já escreveu sob encomenda. "Romance sem Palavras", de 2000, foi escrito a pedido da editora Companhia das Letras, para ser incluído nos lançamentos da Bienal do Livro.

Ele lembra também que a editora Civilização Brasileira, à época de Ênio Silveira, fez dois volumes de contos temáticos: um sobre os dez mandamentos e o outro sobre os sete pecados.

Ele participou de ambos os volumes, acompanhado por Guimarães Rosa, Jorge Amado, Lygia Fagundes Telles e outros.

"Eu fiz um conto sobre o primeiro mandamento, que é o mais difícil, amar Deus sobre todas as coisas, seja lá o que isso signifique. É um trabalho profissional, que a gente recebe para fazer, como um médico", diz.

"Eu tinha um primo que adorava operar vesícula e detestava operar apêndice, mas ele nunca se negava a fazer o apêndice. Como o Michelangelo, que pintou a Sixtina por encomenda", afirma.

Em relação a "O Indigitado", ele diz: "É um romance que me agradou, pois tem um desdobramento dramático e cômico".

"Uma pessoa sem um dedo adquire uma força muito grande nas mãos. É a compensação da natureza. O meu personagem chega a estrangular uma mulher. Conheci na infância um sujeito que não tinha um dedo e era fortíssimo", completa.

Cony, que ganhou os prêmios Jabuti, Nestlé e Machado de Assis, é uma máquina que não pára.

Além das colunas na Folha e de um programa de rádio, ele vem publicando "Quase Memória" (1995), "O Piano e a Orquestra" (1996), "A Casa do Poeta Trágico" (1997) e republicando romances que estavam fora de catálogo, como o de estréia, "O Ventre" (1958), e "Matéria de Memória" (1962).

Escreveu "Romance sem Palavras" em menos de duas semanas e, agora, dois livros ao mesmo tempo: "O Indigitado" foi escrito simultaneamente com o romance "A Tarde de Sua Ausência", que a Companhia das Letras lança em outubro --uma história romântica de uma família que perde tudo.

Segundo ele, "com o computador, fica fácil escrever dois livros ao mesmo tempo".

Na sequência, será publicado na coleção "Cinco Dedos de Prosa" o livro de Fernanda Young, "Efeito Urano", em outubro. O título se refere a um lapso matemático relacionado à astrologia.

"Lapso que justifica uma temporada em que uma pessoa pode fazer uma merda muito grande, estragar a vida de um monte de gente, em 28 dias", disse Young.

Prata lança em dezembro "Buscando o Mindinho", livro que se utiliza do formato da internet para servir a histórias reais.

O INDIGITADO. De: Carlos Heitor Cony. Editora Objetiva. Coleção "Cinco Dedos de Prosa". Quanto: R$ 22,90 (182 págs.). A partir de sexta-feira nas livrarias.

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